quarta-feira, dezembro 20, 2006

UMA NOITE Á CHUVA

Saí de casa. Não conseguia permanecer mais tempo enclausurada dentro do meu quarto, sentada frente ao meu PC, esperando que alguém do outro lado, me dissesse: - Olá! Como vai? Meti-me no meu carro, e parti veloz. Fui como de costume arejar ideias, só, que desta vez, não fui para o meu Monte de Sonho e Magia. Sem bem saber como, dei comigo no alto dum promontório, vendo lá ao fundo o mar, que se agitava irado. Saí do carro. A brisa fria e com cheiro a mar, fustigava-me o rosto, transmitindo-me toda a fúria que transportava consigo. A Natureza estava naquela noite, tão inquieta como eu.. Eram 2h da madrugada, não se via alma viva por aqueles lados.... Apenas se ouvia de vez em quando o grito duma gaivota, que passava em voo rasante.... Eu sentia-me interiormente, destroçada.....Como se o temporal viesse de dentro de mim, as lágrimas corriam-me no rosto, em verdadeiro caudal... Não conseguia controlá-las, e, isso, contribuía para ficar ainda mais enraivecida, contra mim própria. - Porque chorava? Perguntava de mim para mim.... - Acaso sentia saudades? Mas saudades de quê? De quem? Do tempo em que vivia cativa e mal tratada? Das agressões fisicas e psiquicas a que tinha estado sujeita nos últimos anos, e, das quais tivera a coragem de me libertar? Sentia uma enorme raiva.......! Começou a chover.... Entrei para o carro e fiquei a ver a chuva a cair.... O barulho das gotas de água no tejadilho, davam-me Uma enorme sensação de tranquilidade, como se fosse uma melodia de embalar, tocada pelos elementos furiosos da Natureza.... Fiquei a ver a chuva a cair numa cortina de água, que ocultava tudo o que me rodeava.. Estranhamente comecei a distinguir as fitas de água como se estas fossem de cristal, como se a chuva fosse feita de uma cortina de contas brilhantes, com um cambiante de luzes, tão intensa que me feria a vista, obrigando-me a fechar os olhos. Assim fiz. Fui obrigada a fazê-lo. Os raios de luz eram tão fortes que, não me era possível manter os olhos abertos. Senti a porta do carro do abrir. Alguém entrava nele, quem seria? Eu estava completamente paralisada, mas contudo, não tinha medo. Aquela presença a meu lado, era tranquilizante. Senti ainda, uma mão leve que me acariciava o rosto, ao mesmo tempo que, me enxugava as lágrimas que em silêncio me saiam dos olhos cerrados. Uns lábios, quentes e macios, beijaram-me levemente....Aquele beijo suave e aquelas mãos acariciantes, transmitiam uma calma..., uma paz..., tão intensas, tão envolventes...que a própria fúria da Natureza acalmou........ Ouvi uma voz calma, doce e meiga, que murmurava ao meu ouvido: - Calma. Sossega. Já passou. Não chores mais! Porque te sentes tão infeliz? Não há motivo...! Uns braços envolveram-me. Aquela mão suave, puxou-me a cabeça e reclinou-a junto de um peito forte, onde senti bater um coração em ritmo tranquilo - És uma mulher forte, continuou a voz, inteligente. Porque pensas que ninguém gosta de ti? - Porque sinto isso! – murmurei apática - Sentes? Estás sentindo isso neste exacto momento? - S...i...m! N...ã...o! - Sim ou não? – Aí a voz foi um pouco agressiva - N...ã...o! - Assim está bem, já gosto mais, disse suavemente de novo.... - Não me conheces, eu sei. Porém eu amo-te...... - A...m...a...s? murmurei num suspiro - Sim. E muito!!! - Conheço-te? Conheces-me? - Sim!!! - Como? De onde? - Tentei ver, por entre as gotas cristalinas da chuva, o rosto de quem me falava, mas não era possível.. A voz continuou: Conheço-te de todas as noites falar contigo. Sempre á mesma hora, fielmente lá estás..... - Porque não te vejo? Perguntei... - Porque não podes....Só podes sentir-me - E tu podes ver-me, porquê? - Também não posso...Só posso sentir-te também. - Mas... Se não me vês, como podes amar-me? - Amo a tua alma, que tu desnudas completamente, sem disso te aperceberes..... - S...i...m? E como é ela? - Linda! Por isso te amo. Exactamente como tu a mim.... - A...m...o??? - Consegues negá-lo? - Sou assim tão evidente? Se nem o conheço...... - Como não conheces? Todos as noites falas comigo, me dizes tanto de ti, e de tudo o que te cerca, no meio da tua aparente leviandade......! - E que te digo? - Dizes-me nas entrelinhas, o quanto és sensível, amiga do teu amigo, meiga, carinhosa e muito, muito louquinha.....! - Senti mais terno e carinhoso aquele abraço. Mais suave e doce a boca que me beijava com uma ternura, como eu nunca sentira antes.... - Tentei corresponder. Não consegui. Estava completamente paralisada. Só podia falar, e mesmo assim parecia que o nosso diálogo era mais transmissão do pensamento, do que através da fala. - Que me dizia a voz? Cada vez estava mais diluída, Já não entendia mais nada. Longinquamente, falava-me de amor, como se soubesse que amor, era pra mim a prioridade das prioridades. Aquele abraço amigo, começou a desprender-se; aquela voz suave, estava cada vez mais longe, afastando-se lentamente..... Comecei a ouvir uma outra voz mais forte, mais rouca Que cantava: - Aquellos ojos verdes serenos como lagos.... O meu corpo, começou a ficar pesado. A chuva já não batia no tejadilho do carro...Tinha deixado de chover....... Só a luz ainda era intensa, mas consegui abrir os olhos. Vi assombrada, que estava no meu quarto, sentada frente ao meu PC, eram 6h da manhã Afinal que se teria passado? Teria sido um sonho? Abençoado sonho........ Mª Isabel Galveias, 24-3-001

A MINHA AVOZINHA

6 de Dezembro! Hoje faria anos, se fosse ainda viva, a minha avózinha. A minha avózinha foi na minha vida, figura proeminente, já que com ela fui criada e por ela fui muito amada. Recordo com muita saudade os meus momentos passados a seu lado, na Quinta dos Serrões, nos Olivais. Quantas boas recordações...! Lembro-me, que de manhã, antes de sair para ir ás compras, minha avó ia ao meu quarto, de mansinho, colocar sobre a minha mesa de cabeceira, uma tigela com uma papa de farinha Amparo, ou então uma gemada com café. Depois saía, para o seu passeio matinal, que consistia em ir até á praça de Moscavide fazer as suas compras. Quando chegava, lá pelas 11h da manhã, eu que fazia serão até ás tantas, com os trapos e as bonecas, ou com algum livro, ainda dormia. Minha avózinha vinha com pézinhos de lã ao pé de mim, dava-me um leve beijo e colocava sobre a minha almofada algum miminho que trazia da praça, ou fruta que colhia na Quinta. Jamais, minha santa avó, me ralhava por eu ser noctívaga e gostar de dormir a manhã na cama, ela era como eu, também gostava de seroar. Todas as noites, ficávamos as duas até tarde, ela costurando, eu fingindo que costurava ou tricotava, ouvindo os Companheiros da Alegria, era um programa radiofónico bastante divertido e que minha avó não dispensava. Outras vezes líamos as duas. Ou então, ela contava-me histórias. Sabia histórias lindas, das quais tenho um vaga lembrança, mas nunca as soube contar...... É curioso, eu, que tudo aprendia com facilidade, nunca decorei as histórias lindas que ela me contou......Contudo, lembro-me, de pequenas histórias, que ela me contava em forma de repreensão, quando eu fazia alguma traquinice. Eu gostava muito de me por frente ao espelho, fazendo e desfazendo as minhas tranças, inventando os mais variados penteados. Um dia ela chamou-me e disse-me assim: - Já te contei a história da menina vaidosa? - Não avózinha como é? - Era uma menina, que como tu, passava muito tempo a mirar-se no espelho ( minha avózinha falava assim, numa linguagem do fim do Século 19) um dia esteve mais tempo do que o habitual. Sua mãe estranhou, porque ela era traquina como tu, e estava sossegada há tanto tempo... foi espreitá-la, e lá estava a menina pondo fita, tirando saia, vestindo blusa, calçando sapato, tão entretida estava, que a mãe não disse nada, e foi costurar. - De repente, ouve um grito aflito da menina. A mãe ficou assustada. Correu para ela, e lá estava ela a olhar para o espelho, gritando a bom gritar, apontando com ar aterrorizado, dizia mamã, mamã, socorro, está ali um monstro, que me quer comer. A mãe olhou e começou a rir, pois o monstro era a menina, que tanto quis ficar bonita, que ficou horrivelmente feia. Entendeste a história? - Sim avózinha, entendi. A partir daí eu tornei-me uma menina, que gostava de andar limpa simples, mas feliz, sem medo do monstro do espelho. - Pelo facto de ser a primeira neta, e sobrinha, e que além do mais tinha o problema de olhos, pois nasci cega, e fui cega até aos dois anos, eu era uma menina mimada, que gostava de fazer birras, e algumas vezes levantava a mão, como quem quer bater em alguém. - Um dia em que eu estava com uma birra feia, porque a minha mãe não me levou com ela, e batia e pontapeava a quem se aproximasse, com muita paciência, a avó, sentou-me colo dela acalmou-me e começou: - Sabes? Era uma vez uma menina, que como tu era embirrante, teimosa e malcriada, e, quando a contrariavam, batia a toda a gente. Lembro-me de me insurgir dizendo: - Pois, como eu não é? - Não sei, responde ela, isso depende de ti. Esta menina foi muito castigada. - Foi castigada como? perguntei eu com a curiosidade própria duma criança de cinco anos, pois eu não teria mais do que isso, bem continua ela, essa menina ficou muito doente, com uma doença muito rara e muito esquisita, - Que doença era? - Ninguém sabia. Só sei que a menina, bateu na mãe, e de repente, cai para o chão, inanimada, com a mão no ar, no gesto de quem vai bater... - Assim avózinha? Interrompi eu fazendo menção de lhe dar uma bofetada... - Exactamente. Deus castigou-a e ela ficou anos adormecida, com a mão amiaçadoramente erguida... - E depois? Morreu? Eu tinha nessa altura um pavor louco da morte. - Não. Um dia a avó dela segredou-lhe ao ouvido: ouves-me? Se me ouvires, mexe a outra mão. A menina assim fez, então a avó murmurou-lhe, queres ficar boa e ir brincar com outros meninos no jardim? A menina mexeu de novo a mão, a avó continuou, garanto que ficarás boa, se pedires perdão ás pessoas a quem bateste, e magoaste. Fazes isso? A menina mexeu de novo a mão. Então vai, ordenou a avó. Ela levantando-se foi ter com a mãe, e a chorar pediu perdão, prometendo que daí para a frente nunca mais seria embirrante, nem malcriada nem teimosa. Resultou desta história, que eu ainda hoje sou sem me vangloriar, humilde e submissa. (Demasiado, ai de mim!) Eu como qualquer criança era muito curiosa, bisbilhoteira. Nada havia que mais gozo me desse, do que remexer no baú da bisavó, ver aqueles retratos muito antigos, aquelas rendas, os sapatos muito bicudos, que me faziam rir. Lembro-me que ela tinha um saco grande, cheio de retalhos, a bisavó fora modista de alta costura, eu ficava encantada, com os retalhos de cetim, renda, organdi veludo, enfim, enquanto não cortei tudo para fazer bonecas de trapo e os respectivos vestidos não fiquei feliz. Mas um dia, fui mexer no baú da avó. Ela tinha lá guardado umas drageias, que eram do avô. Curiosa como eu era, experimentei pôr uma na boca, como era doce, chupei até ficar amarga, enfim chupei-as todas, imaginem o susto da avó, quando viu. Ralhou, pôs-me de castigo durante uma semana, não fui brincar com a Rosinha, minha grande amiga de infância, e que já não vejo há longos longo anos. Mas ao que parece, não foi o suficiente. Lembro-me que uma vez, fui para a vacaria, onde encontrei um frasco, que me despertou a curiosidade, destapá-lo e cheirà-lo foi um instante. Mas pobre de mim, o frasco continha amoníaco, imaginem, fiquei sem folgo, de desatei a correr pela quinta fora, deveras aflita. A avózinha assustou-se como é de prever, mas não o manifestou, apenas me disse: - Minha querida, penso que só te falta acontecer o mesmo que aconteceu á menina curiosa. - E que foi que lhe aconteceu? - Foi grave, mas não tento como o amoníaco. - Então o que foi que lhe aconteceu? Avózinha, conta-me lá.... - Bem, a mãe da menina tinha chegado da praça, mas o pai chamou-a, e ela não teve tempo de arrumar as compras. Deixou o cesto no chão da cozinha e foi ver o que o marido queria com tanta urgência. A menina curiosa, foi logo bisbilhotar, para ver se a mãe lhe tinha trazido alguma gulodice. Meteu a mão no cesto, e deu um grito, chorando muito. A mãe acorreu a ver o que se passava, deu com a menina muito aflita, porque não sabia que havia caranguejos dentro do cesto, e estes ficaram agarrados á mão dela..... - “Tadinha” da menina, disse eu muito comovida... - Pois é. Isto é para veres onde leva a curiosidade. Mas toma atenção, nem sempre a curiosidade é má. - Não? Então não percebo!? - A curiosidade em aprender, em saber sempre mais qualquer coisa, essa é boa. Por exemplo, tu gostas de ler não é? Isso é curiosidade positiva. Pois ao leres, ficas a saber muitas coisas boas. Ficas a saber resolver problemas, que se não lesses, nem sabias que podiam existir. Conheces usos e costumes, de terras e países, onde nunca foste, e talvez nunca irás, mas sem lá ires conheces tudo como se lá vivesses. Percebes agora? Eu percebi. E garanto que, nunca mais tive curiosidade se saber o que se passava, dentro dos cestos, das gavetas, em casa dos vizinhos. Mas confesso, sou muito curiosa, em relação ao que se passa no mundo á minha volta, mas pela positiva. Assim a minha avózinha educou a minha personalidade. O que lhe agradeço muito. Embora considere que sou demasiado mansa. Também incutiu em mim o gosto pela leitura. Ela tinha poucos livros, mas os que tinha eram bem bonitos. Havia um com muitas histórias, que eu não me fartava de ler...Desapareceu, com muita pena minha. Tinha um de que eu gostava muito também, Lisboa em Camisa, era divertidíssimo. Ás vezes o avô chegava da rua e, vendo-nos a ler dizia de modo trocista: Lá estão as professoras, muito lêem, com tanta leitura, vão ficar muito sábias. Pobre de mim, quanto mais aprendo menos sei. Minha avózinha, nunca se zangava com o avô. Suportava todos os remoques e atitudes dele, com uma calma e serenidade, impressionantes. Não tenho recordações, de ver os meus avós brigarem fosse por que motivo fosse. Lembro-me dum caso que aconteceu, e não posso deixar de o contar. O avô gostava muito de touradas e de teatro de Revista á Portuguesa. Não falhava uma estreia, mas ia sempre sozinho. Ás vezes levava-me com ele, mas chauvinista como todos os homens da sua época, jamais levava a avó com ele, fosse onde fosse. Não se importava que ela fosse ao cinema, sozinha ou acompanhada por mim ou pelos meus tios, mas com ele não. De vez em quando a avó perguntava: - Ó Zé, quando me levas ao teatro? – invariavelmente o avô respondia - Domingo. Vamos Domingo. Certa vez a avó perguntou de novo, e de novo ele respondeu – Domingo. Ela perguntou: - Hoje? – o avô estava a ler o jornal, e, distraídamente respondeu: - Sim..... A avózinha, depois do almoço, impapoilou-se toda, para ir á matiné, comigo e o avô. Ao vê-la assim toda aprimorada ele comenta: - Hena, hena, mas que bonita estás. Onde é o passeio? - Então vamos ao teatro não é? - Ao teatro? Hoje? - Sim. Tu disseste que íamos hoje?! Zombeteiro o avô respondeu: - Hoje não. Domingo. Impávida e serena, a avó pegou em mim e fomos ao cinema a Moscavide. Nunca me esquecerei, era um filme português que se chamava O Fogo, e, que era passado no quartel de bombeiros do Bairro da Encarnação. Era um drama, e, eu chorei desatinadamente por causa de um bombeiro, que ao resgatar um irmão do fogo, acabou por morrer queimado, uma verdadeira tragédia.... Havia, perto da casa dos meus avós, uma família, onde haviam 4 filhos, três rapazes e uma menina, todos mais velhos do que eu. Eu gostava muito de ir brincar com a Rosinha, e, pedia á minha avó: - Avózinha, deixe-me ir brincar com a Rosinha?... ela respondia. Nem Rosa nem Cravo. Vai agora para uma casa onde só há homens....!! - Avózinha, deixe-me ir! Insistia eu. - Só se me cantares a duquesa, eu cantava, ela dizia: Agora canta a Anabela, eu cantava, ela tornava, agora a Mafalda, só depois de eu cantar tudo o que ela queria é que ela me deixava ir. Dáva-me muita liberdade. Embora me vigiasse. De vez em quando, lá vinha ela. - Ó senhora Maria – era a mãe da Rosinha- viu por aqui a minha pequena? Dois dedos de conversa, pouca coisa, porque a avó, não era dada a ir para casa das vizinhas conversar. Tinha sempre a roupa no cloreto, como ela dizia, e lá voltava para casa. Pelos Santos Populares, havia sempre bailarico, no Largo da Viscondessa. Ainda existe o Coreto, é das poucas coisas que ficaram nos Olivais do meu tempo de menina; Começavam as sessões dançantes na véspera de Santo António, e, diariamente, só a acabavam no dia de S. Pedro. Todas as noites lá ia a avózinha comigo. Eu gostava muito de dançar, e, ela gostava muito de me ver....bons tempos aqueles...! Assim foi a minha querida avózinha. Agora que ela partiu, não quero deixar de lhe dizer: - Querida avózinha, por todos os bons momentos passados ao seu lado, por todas as boas recordações que guardo de si, muito obrigada. Todas as palavras são poucas para lhe agradecer os melhores momentos da minha infância. Embora houvesse quem a considerasse má, por ser justa. Eu sei que a minha avózinha hoje, está no céu, junto do Pai. Ela merece. Só me resta dizer: - Adeus avózinha, um dia destes, voltaremos a encontra-nos se Deus quiser. Até lá fica toda a saudade desta neta que muito a amou, e nunca a esquecerá.
Maria Isabel. Arroja, 6 de Dezembro de 1999. -

CORREIO DA QUEEN

Meus queridos amigos,Com muita tristeza vi, que neste fim de semana, na minha ausência, os meus mais queridos e leais amigos, O Duque de Fafe e o Duque de Copas, resolveram envolver-se em duelo, que ainda por cima, não foi por mim (a sua Dama), mas por ninharias que não têm a mais pequena importância.No meu reino da paz e harmonia, a minha corte não é diferente das outras, por isso tinha que haver as habituais intrigas.Começaram com mal entendidos entre mim e o King. Mas devo assegurar-lhes que depois de eu o ter chamado a prestar contas, estas estavam certinhas e nada havia entre nós a não ser intrigas, fomentadas sei lá por quem ou porquê, mas isso tambem não tem relevância, tudo voltou á paz e concórdia, e garanto que entre o King e a Queen tudo está bem.Amigos, a nossa Aldeia tem valores pelos quais eu me tenho batido, e não vou abdicar deles.Sei também, que só existem verdadeiras ofensas entre pessoas que se querem bem, o que só quer dizer que, quanto maior é a amizade, maior nos parece a ofensa, pois quando não se gosta nem deixa de gostar, tanto faz como fez.Quero portanto, pedir, implorar mesmo, pois as Queens, existem para fomentar a paz e a concérdia, que deixem de lado as vossas questões, de carácácá, e fiquem a meu lado, sempre como os meus mais leais defensores que sempre foram, e amigos entre si como o foram sempre também, desde que entraram no meu salão dourado.Não são precisos pedidos de desculpas, pois essas coisas não existem entre amigosTenho um grande carinho pelos dois, e não queria que os meus Reais Amigos, me abandonassem, porque eu Vossa Queen, hajam as intrigas que houverem, só deixarei o meu trono nestas Aldeia, se, todo o meu povo assim o entender.O meu King, sei que me quer a seu lado, e os Senhores não querem?Querido Duque de Fafe, fica assim, recusado o seu pedido de demissão.QUANTO A SI SENHOR DUQUE DE COPAS NEM PENSE EM ABANDONAR A QUEEN, SOMOS HOMENS NÃO SOMOS "RATOS"E o nosso navio não vai afundar como o TITANIC, por isso daqui suplico-vos em nome da amizade, que não saiam da aldeia. E, contem sempre com o carinho e amizade da vossa Queen, lyly.

Sonho?

Eram 3:30 da manhã, encontrava-me no ponto mais alto da serra da cidade onde moro. Meu espirito encontrava-se em simbiose com a natureza e o cosmos, sentindo as melodias nocturnas do vento beijando as folhas das àrvores, e a voz dos animais nocturnos.. Embora nesta paz perfeita, sentia falta de algo, olhava uma estrela “única no céu”, que aparentava dirigir-se a mim em toda a sua beleza. “senti” uma forma de luz perto de mim, olhei, e reconheci tua silhueta, dirigimo-nos um para o outro, levantaram-se nossos braços, nossas mãos tocaram-se, entrelaçaram-se nossos dedos. Olhei o céu, a estrela tinha desaparecido. Olhos nos olhos, dedos entrelaçados, “senti” que dizias: que bom tu teres vindo. Recebi tua mensagem, respondi.. Não foram precisas mais palavras, assim ficámos, em simbiose com a natureza e o cosmos, escutando as melodias nocturnas, e os sons da madrugada que se aproximava. Por quanto tempo? Um timido alvor espreitava vindo do lado do mar, separámo-nos sem palavras, mas com conhecimento, fiquei vendo afastares-te.. 06 hs da madrugada. Dormia sentada na minha sala em frente ao pc, os timidos raios matinais beijaram meus olhos, despertei, olhei pela janela, lá longe no horizonte... Uma estrela. Admirada fixei-a, vi-a desaparecer lentamente, como que escondendo-se por detrás da luz matinal. Maria isabel galveias, 23-10-001

AS COISAS QUE ME ACONTECEM

Eram 4 horas da manhã. Acabara de encerrar o meu PC, depois de estar, um dia inteiro á sua frente. Tinha terminado uma sessão da net, que, me tinha deixado, nem eu sei bem porquê, triste e deprimida, chorosa até. Para desanuviar fui tomar banho. Mal tinha saído do duche, quando o meu telefone da rede fixa tocou. - A esta hora? Quem será? – perguntei para mim própria um pouco assustada. Nestas alturas quando o telefone toca, penso sempre o pior. Estou? - perguntei um tanto ou quanto a medo... - Lyly? – pergunta uma voz de baixo profundo. - Sim...! Quem quer falar comigo a esta hora? - Boa noite Lyly, minha Lady e minha Queen....! - B..o..a n.o.i.te....! – gaguejei confusa . Conhece-me? - Conheço sim majestade! - ri do outro lado o meu interlocutor - Estive todo o serão a fazer-lhe companhia, minha adorada Queen, e tambem toda a tarde. - Foi? e posso saber com quem estou falando. - De certo não sou o seu King, nem o seu Duque de Copas e nem o seu Valete de Espadas. - Bom, os dois primeiros sei que não, quanto ao terceiro..... - Garanto-lhe que não sou. - Então quem é, se for dado a uma velha Queen o direito de perguntar e de saber? - Não posso dizer-lhe quem sou. Tenho muitos nicks tal como a senhora. Ah! este sabia que uso vários nicks.......Quem seria? - Conhece os meus nicks? Perguntei meio a sério, meio a brincar..... - Sim minha adorada Lyly, minha Lady e ninha Queen...... Pelos vistos era adolador......tinha voltado de novo a vontade de rir e de brincar. - Mas então quem é o sr? insisti rindo - Alguem que todos os dias a acompanha fielmente. Alguem para quem a Aldeia Lusa, ou a Lusitana Paixão, só tem graça e sabor quando a sra. lá se encontra. - Alguem que a admira, e inveja.... - Inveja? Mas inveja o quê meu caro senhor? agora já não estava a gostar da conversa, quem seria este maduro a ligar para mim a esta hora da madrugada? - Vejo que não gostou do termo, Majestade!? – riu ele - Realmente não foi, digamos muito simpático...Quem seria? perguntava eu de mim para comigo. - Digamos minha querida Queen, que sou, não um Duque nem um Valete e, muito menos serei um King, mas simplesmente um seu vassalo, que percorre diáriamente, todas as salas portuguesas, para ter o previléligo de teclar consigo, e me rir com o seu espírito sempre tão alegre, e as suas respostas tão rápidas e precisas. Sabe que ao principio eu cheguei a pensar que haveria truque e a sra e o Chuck escreviam os diálogos? - Não posso acreditar!...há cada uma, ás 5h da manhã!!!!- pensei, não disse claro. - E, ainda crê nisso? - preguntei deveras divertida - Agora já não. Pois verifiquei que a sra era ligeira a responder em qualquer sala e em qualquer assunto, daí a minha admiração por si. Bem, agora que me prestou vassalagem, disse rindo, quer dizer-me quem é e como soube o meu nº de telefone? - Quem sou? Bem digamos que sou o Conde de Espadas, sempre pronto a lutar por sua dama; como soube o seu nº de telefone? através do seu nome, pois sou participante da Aldeia Lusa, logo portanto serei alguem em quem Suas reais Majestades podem confiar, não ofereço perigo. Mas não foi certamente para me dizer todos esses piropos que me telefonou. Afirmei outra vez com seriedade. - Adivinhou mais uma vez, minha inteligente, rainha. - Então? - Notei que por qualquer coisa que lhe foi dita, ficou subitamente triste. Quando disse que seria a última vez que a Queen, abriria as portas do seu Alegre Salão, senti que estava a ser sincera, e, que a sua habitual jovialidade, tinha desaparecido. Voltei atrás no diálogo para ver o que teria sido, e, descobri. - Descobriu? foi assim tão obvio? - Para mim que estou sempre pendente das suas emoções, foi. - Sou tão transparente assim? Agora começava a interessar-me.. - Já lhe disse que para mim é. Afirmou. - Também reparei, que houve mais alguem, que sentiu medo de que não voltasse. - Quem? – interoguei. Não havia dúvida. Este admirador secreto era mesmo atento. - O Duque foi o primeiro a assustar-se, e o King também não ficou com todas na manada, como se costuma dizer. - E o sr? perguntei um pouco garridamente.... - Eu fiquei estarrecido.. A minha adorada Lady, querida Lyly, venerada Queen ia deixar de vir ao Salão da Aldeia.......? - Mas eu não disse isso!..... só disse que seria a última vez que a Queen se apresentaria........mais nada. e se viu porque foi, deve concordar comigo. - Não. Não concordo. Penso que deve voltar, voltar como Quenn. - Mesmo que seja desagradável para alguem? - Prguntei curiosa em saber a resposta - Mesmo que seja desagradável para “Alguem”...... - Mas sabe que esse alguem, tem uma força bastante grande dentro da comuinidade. - Sei. Mas quer apostar, que esse alguem se a Queen não voltar, vai solicitar a sua presença? - A presença da Queen, ou a da Lyly? - Ambas são a mesma, mas cada uma ocupa na comunidade um lugar diferente. - Sério? como é isso? - A Lyly, é você ao vivo e a cores. A Queen é o sonho a brincadeira, a fantasia..... - Tudo isso? - Tudo. Promete-me que não vai desistir? - Não prometo porque não posso cumprir...Já desisti como viu. - Não faça isso... são tantos que adoram a Queen...... - E a Lyly não presta? - Claro que presta. E sabe disso. Não esteja a ser tão radical. - Bem amigo, vou ser mais radical ainda. Não lhe parece que são horas de dormir? - Ou antes não são horas de estar ao telefone na conversa com alguem que se desconhece. - Perdão minha Queen, não queria de modo algum ser importuno. Quis tão somente ser solidário consido, e mostrar-lhe de viva voz a minha solidariedade, mais nada. - Está bem já mostrou. Agora posso ir tentar dormir um pouco? - Pode. Mas antes prometa que a Queen irá voltar....... Prometo que irei pensar nisso, e, que irei falar com ela.....Mas tenho sérias dúvidas, penso que isso teria que ser pedido por mais “Alguem”. - Se isso acontecer........ - Fico á espera, nem que tenha que fazer barulho na sala. - Barulho!? está proíbido ouviu? Proibido. Na minha sala não quero duelos nem discussões. - Certo. Mas tudo vai depender de si. Volta? Logo á noite estará lá? - Se não adormecer, concerteza que estarei.. - Então até logo, my lady, posso enviar-lhe um beijo pelo telefone? - Claro que sim. Um beijo também para si. - Uma rainha a beijar um simples vassalo? Mas é uma rainha como só existem nos contos de fadas!!!?. Boa noite. Logo espero-a na net. E esta hem? Acontece-me cada uma.!!!!!!! Bem e agora vou ver se durmo..... Arroja, 5 de Abril de 2001 Maria Isabel Galveias

Uma noite de Natal

Uma noite de Natal Rita, está só. Só, na mais completa profunda e amarga solidão. Ela sempre gostara de estar sozinha, todavia, como essa solidão hoje é dolorosa...! Recorda com alguma amargura, as palavras proféticas de sua mãe, quando ela era ainda uma garota, e se isolava do mundo... Credo rapariga! Só, se veja, quem só, se deseja.... Lembra-se ainda, de na sua curta infância, dizemos curta porque ela mal desfrutara da infância, adolescência, e até da vida, já que fora, desde muito nova, marcada pelo infortúnio, de ser filha única de pais sempre desavindos. Como sempre se sentiu mal amada, daí, o seu isolamento, o seu fugir constante de tudo e da todos, como se assim, pudesse alijar de si o fardo que era a sua vida. Pegava num livro, seu companheiro inseparável, e, lá ia sozinha para o montado...Como ela dizia, metia-se dentro do livro e viajava, pelo mundo largo e grande da fantasia. Era feliz assim. Seus pais, esqueciam-se que ela existia. Não ligavam nada ao que ela fazia, desde que não falasse com rapazes, tudo estava bem. Casara, não fora feliz nem infeliz. Entregue de corpo e alma ao marido e aos filhos, lá foi vivendo. Ás vezes, ao domingo, seu marido que gostava de jogar futebol, saía para jogar e ela deixava que os filhos também fossem, para desfrutar de duas horas de solidão, paz e sossego, já que as crianças, alegres e vivazes, faziam barulho com as suas brincadeiras e ela sentia-se por vezes cansada. Sabia-lhe bem aquele bocadinho. Contudo, sabia que não estava só. Eles chagavam alegres e felizes, contavam todas as peripécias do jogo, e era a alegria que se instalava, no lar que sempre tentou fosse feliz, dando aos filhos tudo aquilo de que tinha sentido falta. Mas a vida passa. Ao fim de 23 anos de casamento mais ou menos felizes, Rita ficou só. O marido falecera, os filhos casaram, e, seguindo o curso natural da vida, ela ficara só, definitivamente. Tentara reconstruir a sua vida, mas não deu certo. De quem seria a culpa? Dela certamente... O primeiro relacionamento, aconteceu pouco tempo depois de enviuvar... Fora uma paixão louca e desenfreada. A paixão que deveria ter sentido na sua adolescência talvez. Só então se deu conta de que nunca sentira pelo seu marido, o amor, a loucura que sentira por Luís. Mas...havia sempre um mas, a estragar a sua felicidade. Luís era casado, e embora quando Rita o conheceu, já não vivesse com a esposa, esta quando soube do seu romance, fez-lhe a vida num verdadeiro inferno. Luís, embora a amasse, também não lhe dava estabilidade emocional, até que um dia, sete anos após a relação, Rita se cansou, discutiram e ele saíra da sua vida. Foi muito dolorosa para ambos esta separação. Ele tentou tudo, para se reconciliarem, pediu ajuda á mãe de Rita, aos filhos, aos amigos, mas Rita fora irredutível. Melancolicamente Rita, relembra a sua vida com Luiz e lamenta a sua atitude de então. Como foi louca e orgulhosa...E como fora feliz! Junto de Luiz, Rita vivera o péssimo e o óptimo. Divertiu-se, viveu como nunca se sentira viva. Foram anos inesquecíveis, mas ela tinha de estragar tudo, convencida, de que tinha a verdade na mão...deitara tudo a perder, com o seu orgulho besta e estúpido. Louca que foi...! Agora chora a felicidade perdida, mas nada pode remediar o mal que a si própria causou... Quando soube da rotura, Madalena esposa de Luiz pediu o divórcio... Por ironia do destino, seria ironia? Ele não foi para nenhuma das duas. Mais tarde, conheceu Rui, foi uma relação curta, que chegou para colmatar a falta de Luiz, tudo parecia correr bem entre eles, mas mais uma vez o destino fez das suas, e Rui acabou preso nas redes da melhor amiga de Rita, facto que quase arruinou a vida de Rui. Rita perdeu o namorado, e perdeu a amiga.... Perante este pensamento, ela sorri, se os perdera, é porque não eram lá grande coisa, nem como amiga, nem como namorado. Só, que naquela altura Rita era ainda jovem, bonitona, cheia de energia e vitalidade. Luiz continuava a persegui-la, então, conheceu Carlos. Para fugir ás investidas de Luiz, começou a sair com Carlos, apenas como amigos, só que a amizade acabou em casamento. E que casamento! Irascível, pouco comunicativo, Carlos tornou a vida de Rita insuportável. Ela perdoava-lhe tudo. Ainda hoje se pergunta porquê. O casamento durou dez anos...E mais uma vez Rita, se fartou de ser feliz..? infeliz..? Na altura, sentia-se muito, muito infeliz. Agora, sozinha, numa casa que para ela se tornou um sepulcro em vida, sem amigos, longe da família, mais uma vez Rita chora a falta da “infelicidade” que tinha, E sente o travo amargo, da solidão mais profunda e absoluta, que alguém alguma vez sentiu. Como sua mãe vaticinou, está só. Angustiosamente só..... Restam-lhe apenas as suas tristes recordações. É Natal. Rita, recorda sem muita saudade, alguns Natais da sua infância. Não eram muito alegres, nem divertidos. Passados sempre com seus pais, algumas vezes com seus tios. Não se lembra de alguma vez ter passado o Natal com os avós....O avô vinha de vez em quando, mas avó não gostava nada destas festas em família...Só mais tarde Rita percebeu porquê. “Em tempos seu avô bebia muito, andava sempre bêbado, um dia, fez um tratamento para deixar de beber, quando fora para a fábrica dos Serrões. A avó temia que por motivo das festas, o avô voltasse a beber, era esse o motivo. Rita sempre ouvira dizer aos pais e aos tios, que a avó era má, e, não gostava da família. Ao chegar á idade da razão, Rita compreendeu que a maldade da avó era tão somente medo, medo de voltar á vida desgraçada que havia tido, contudo parece que só Rita não via maldade em sua avó. Para todos ela foi sempre má. Pobre avó, sempre tão incompreendida! Só Rita a tinha amado de verdade....” Á noite, ela colocava o seu sapatinho na chaminé, e de manhã, encontrava invariavelmente um saquinho de bombons. Jamais uma boneca ou outro qualquer brinquedo. Houve porém um ano, tinha ela oito anos, seu pai, presenteou-a com um pequeno, mas lindo presépio, que a tinha deixado encantada. A partir de então, seus presentes de Natal, eram figurinhas que foram ao longo dos anos tornando o presépio maior. Passados cinquenta anos esse presépio ainda existe em casa de sua filha, só que em vez de crescer, vai minguando, exactamente como Rita.... Com um sorriso triste, ela lembra, quantas vezes pediu ao menino Jesus uma boneca... chegou a fazer promessas, mas nunca foi atendida. Seus tios dava-lhe quase sempre algo para vestir mais nada. Em relação ás guloseimas natalícias, apenas as filhós de abóbora, e os coscorões, feitos durante a Noite do Galo, por sua mãe. Bolo Rei? Ela nem sabia o que era. Nunca ouvira falar. Nozes, pinhões, passas, que era isso? Ela não conhecia. Também não era de admirar, tinha havido uma guerra mundial, e os tempos eram de racionamento. Era tradição, a mãe fazia as filhós, o pai e ela faziam ao presépio. Nessa noite, ninguém dormia. Seu pai fazia questão disso. Havia também as morcelas de arroz, e o delicioso cacau quentinho, para acompanhar as filhós. E era tudo. Lembra-se de um Natal, teria por aí uns seis anos. Seus pais por essa altura moravam na margem sul do Tejo e ela estava em casa dos avós. Não foi Natal não. Foi Ano Novo. Seus pais vieram passar o Ano a casa do tio Zé. Como quase sempre estavam todos zangados com a avó. Rita foi também fazer a passagem do ano com os pais e tios, mas queria ir para casa dos pais, aliás ela passava a vida cá e lá. Assim sendo, seu tio Abílio, a quem Rita tinha muito respeito, e a quem obedecia cegamente, sim porque menina mimada por todos ela era um pouco teimosa, disse-lhe: Vai a casa da avó buscar as tuas coisas, e quando forem três horas vais ter connosco, pois nós iremos no autocarro das três. Rita assim fez. Deixou passar uns quantos autocarros, e ás três horas em ponto, aí vai ela no autocarro. Este tinha dois pisos, e Ritinha, foi direitinha ao piso de cima, sem nem mesmo ver se os pais ou o tio também iam. A confiança no tio Abílio era cega. Quando chegaram ao sítio hoje conhecido por rotunda do Relógio, o cobrador, veio pedir-lhe o bilhete, ela respondeu, que, seus pais iam no piso de baixo, e eles é que pagariam a sua passagem, na altura custava a dita 2$00. O cobrador, passado um tempo veio dizer que ninguém se responsabilizava por ela, portanto teria que a deixar na paragem da rotunda. Que tempos aqueles hem? Não havia medo nem consciência, para deixar uma criança de seis anos, sozinha num sítio descampado e ermo como aquele era nesse tempo..... Bem, não haveria, por parte do dito cobrador, porque os passageiros do autocarro, indignados, cada um pagou um bilhete á menina, ficando Ritinha com 10$00, uma fortuna.....naqueles tempos até era. (Como Rita se sentia velha ao recordar esses tempos tão longínquos....)Mais um sorriso... Chegada que foi á Praça do Chile, saiu do autocarro, convencida de que, pelo menos o tio estaria lá á sua espera. Contudo, para seu desespero não estava ninguém. Ritinha começou a chorar. Não porque tivesse medo, ou porque se sentisse perdida, Rita desde muito pequenina, se habituara a viajar sozinha, e o percurso entre a casa paterna e a dos avós, não lhe era desconhecido. Nada disso, apenas desgostosa, pensando que sua mãe havia ido embora, e não a quisera levar. Á boa maneira da nossa terra, ao verem a menina a chorar, logo se juntou um magote de gente, até que, apareceu um cavalheiro, de meia idade, cabelos brancos, que a interrogou, querendo saber se ela pretendia ir para casa dos avós, ou dos pais. Ela queria ir para casa dos pais. Então o dito senhor, pegou nela, chamou um taxi, e levou-a ao barco. Comprou-lhe o bilhete, e comprou para ele um bilhete de gare, indo dentro da embarcação, onde pediu a uma senhora que tomasse conta da menina, até ela chegar ao destino.( ao que parece, naqueles tempos não havia pedófilos, nem se roubavam criancinhas. Na verdade também ainda não se faziam transplantes de órgãos, a coisa mais moderna que havia era a estreptomicina, para a cura da tuberculose. Bons tempos.....e Rita sorri de novo) Chegada a casa, Ritinha verificou que não estava ninguém. Aí compreendeu, que tinha havido um desencontro. Expedita, Ritinha, quando viu isso, foi imediatamente telefonar para a quinta, afim de avisarem os avós, de que ela estava em casa e em segurança. Como sempre sua mãe, tinha-a subestimado, não acreditando que ela iria no autocarro das três horas. Quando deram pela sua falta, entraram todos em pânico, menos o tio Abílio que, garantia, estar a sobrinha em casa, contudo ninguém lhe dava ouvidos. Por essa altura, a única pessoa que ficou tranquila, foi a avó. De resto andavam todos como loucos á procura dela. Todos sabiam, que ela não se perdia, mas como sabiam também, que não tinha dinheiro, temiam estivesse nalgum lado, sem poder ir para casa. O tio insistia, - Vamos para casa, tenho a certeza que a minha sobrinha já lá está. Enfim, lá foi com a mãe. Quando chegaram a menina estava em casa duma vizinha amiga da mãe. O tio chamou-a com um assobio, como era seu costume. Quando ouviu o tio, ela teve medo de ser castigada, porém o tio quando chegou perto dela, abraçou-a a chorar, dizendo: - Eu sabia, eu sabia. Ninguém me quis ouvir quando eu quis vir embora. Ninguém acreditou em mim. Mas eu conheço bem a minha sobrinha....! Ao recordar a cena, Rita dá uma boa gargalhada. Ainda hoje não entende, a razão pela qual, sua mãe dizia que só lhe dava vontade de se atirar ao rio. Suporia ela que a filha estava lá no fundo!? Sua mãe e os melodramas dela. A vida tinha sido para si, um eterno e trágico romance. O pai chegou já bem tarde, triste, porque havia encontrado, nas esquadras onde procurara a filha, muitas meninas perdidas, mas feliz, porque a sua menina era demasiado esperta para se perder. Eles é que se tinham perdido....Ao constatar que o principal problema da filha fora a falta de dinheiro, e que por isso, tinha estado na iminência de ficar sozinha num sítio ermo sem hipótese de ir para casa, nunca mais deixou de lho dar. A partir dessa altura, o pai dava-lhe por semana 2$50, ela era uma menina de sorte, com tanto dinheiro...! Tinha mais sorte, do que hoje. Sozinha em casa, sem dinheiro, pouca comida, este ano nem havia as filhós da mãe, nem o cacau quentinho, nada. Curiosamente, estes pensamentos fazem-na sorrir, e, também lhe trazem aos olhos uma lagrimita atrevida. Diz o povo que recordar é viver, e, na verdade, estas recordações fazem-na sentir-se bem disposta. Lembra também dos seus amiguinhos, a Rosinha, o Manel, o Fernando, a Blandina, a Carminha, o Arnaldinho, que seria feito deles? Ainda viveriam? Onde? Lembrar-se-iam dela? Vem-lhe lágrimas aos olhos ao recordar-se deles e das suas alegres brincadeiras. Recorda, os teatros ou cinemas, que faziam, em que ela era sempre a principal intérprete, e o Arnaldinho era o galã, e não pode deixar de rir, quando se lembra dele a beijá-la á cinéfilo, como ela era a maior de todos, ele para a beijar, tinha de subir para qualquer coisa, a fim de ficar mais alto. É que os galãs de cinema, eram todos mais altos que as mocinhas...ora essa! Imaginação era o que não faltava. Havia ainda o baloiço. Ou antes, três baloiços, pendurados num tronco duma oliveira, onde ela e a Rosinha e o Manel, costumavam brincar. E onde ela costumava cantar ao desafio com as “saloias” que trabalhavam na quinta. Esse baloiço durou até a nova urbanização dos Olivais; quando ela voltara a Portugal, eles ainda lá estavam, a recordar a sua infância, e única época da sua vida em que tinha sido feliz de verdade, fora quando estava em casa dos avós. Mais uma lagrimita de saudade á mistura com um sorriso de ternura. Grandes correrias, pela cevada, alta e fresquinha, eram polícias e ladrões. Ouviam-se os tiros, das pistolas de caniço, feitas pelo Manel. Pum! Pum! Era assim nesse tempo. Agora com as novas tecnologias, e a era espacial, será Pshiu! Pshiu!...realmente a tradição já não é o que era... Como diria a avó: - Modernices! Querida avó, se ela cá voltasse, muito se iria admirar com tanta modernice, viagens de ida e volta á lua, túneis por sob o mar, telemóveis, enfim....Se bem que a avó, sempre acompanhara a evolução dos tempos, com a maior naturalidade. Ai avózinha! Quanta saudade.! Ela adorava a sua avózinha. Agora sim. Rita chora a valer. Que importa? È Natal! Assim, acompanhada pelos seus bons fantasmas já não está tão só. Pela primeira vez, passou um Natal perto de sua avó...Estranhos caminhos tem a vida Ao longe uma campainha toca. É um toque, fraco, muito fraco mesmo. Afinal, é o telefone do vizinho que a acorda. Já é dia. Rita tinha adormecido, no sofá, entregue ás suas recordações nesta noite de Natal.. Arroja, 25 de Dezembro de 2002 Maria Isabel Galveias