domingo, março 04, 2007

ELA E…….ELES


ANDRÉ André foi o seu primeiro amor. Um amor de menina. Menina de pouco mais de onze anos. Foram criados juntos. Eram um grupo de garotos que juntos corriam pelos campos nos arredores de Lisboa.Ela lembra-se daquele dia em que estavam sentados junto do muro que separava a azinhaga da quinta.Dizia o “Alfinete”:- A Tininha é a minha namorada sabiam?- E a Guida é minha diz o “Malhado” assim chamado porque no seu cabelo louro tinha um madeixa branca, que lhe dava um ar diferente e meio azougado.Perante esta a firmação, o André levanta-se e do alto dos seu doze anos, pergunta muito zangado:- Que é isso? Então tu namoras comigo e agora namoras com ele?Admirada ela pergunta:- Namoro contigo?- Namoras pois. Há três anos- Bem, se namoro contigo não posso namorar com o “Malhado” diz ela na candura dos seu dez anos.Os anos passaram. A vida separou-os, mas no pensamento dela ficou sempre a lembrança daquele seu primeiro amor.Coisas da sua infância, que se desvaneceu no tempo. Passaram-se vinte e cinco anos. Ela estava de novo solteira. Naquela sexta feira, fazia anos. Decidiu oferecer a si mesma, numa romagem de saudade, visitar o seu velho bairro.Quando lá chegou, nada era igual. Só a igreja, um velho largo com o coreto, onde nos santos populares se faziam bailaricos, e, onde ela tanto brincara, e a avenida. Havia ainda a velha taberna, mais nada.Dirigiu-se á taberna, e perguntou pela Tininha da azinhaga. Disseram-lhe que trabalhava numa fábrica de material eléctrico, na zona velha.Dirigiu-se para lá, e, perguntou pela velha amiga ao porteiro. Este prontamente, foi chamá-la.Tininha veio ao portão acompanhada duma colega. Intrigada por não imaginar quem seria a “amiga” que a procurava.Ao ver a sua amiga de infância, as lágrimas vieram-lhe aos olhos, e emocionada diz para a colega:- Olha, esta minha amiga, é a grande paixão de meu irmão André.Guida, ficou perplexa ao ouvir isto, e responde:- Ora, onde isso já vai. Ambos seguimos rumos diferentescasamos, cada um tem a sua vida. Foram coisas da nossa infância.- Coisas de infância não. Eu casei com o “Alfinete”. O André diz muitas vezes, o que os separou foi o mar. E foi também a tua pressa em te casares. Ou já te esqueceste que casaste antes dele? - Ele também parecia que não se importava comigo. Já te esqueceste das gaifonas que ele me fazia com Ausenta?E das vezes que eu passava na tua casa a caminho de casa dos meus tios? Se eu lhe dizia que ia pela rua de baixo, ele ia comigo até á Calçadinha, e seguia pela rua de cima, ou vice versa. Por isso deixei de o levar a sério. Mas também nunca o esqueci.- Se quiseres saber dele, ele trabalha na Centieira. Queres o telefone do trabalho dele? Se lhe telefonares verás. Vai ficar louco de alegria.- Está bem. Eu também vou gostar de falar com ele.As amigas conversaram muito. Afinal havia vinte e cinco anos que não se viam. E tinham tanto para contar uma á outra. Falaram dos amigos de infância dos irmãos de Tininha. O pai desta tinha falecido. A mãe vivia com o Mário seu irmão mais velho. Enfim foi um longo fim de tarde. Depois de jantar com a amiga, Guida voltou para sua casa. Levava o sonho de se encontrar de novo com André. Como iria ser o seu encontro?Mal podia esperar por segunda feira.Depois de um banho relaxante, foi dormir. Mas o sono negava-se a aparecer. Á sua lembrança vinham retalhos de episódios passados com André.A velha oliveira, onde os três amigos tinha colocado três baloiços, para se baloiçarem ao mesmo tempo. Os campos de seara verdejante, onde eles brincavam aos policias e ladrões. As armadilhas que ele armava antes de ir trabalhar, e, que lhes providenciava pássaros, que foram muitas vezes o jantar de sua família. As enormes caminhadas a apanhar caracóis. As vezes que iam apanhar as azeitonas que caiam das oliveiras pela azinhaga, e com as quais a mãe dele fazia azeite para todo ano. Tantas recordações!Lembrou-se daquela noite, em que ele a foi levar a casa e a beijou. Foi o beijo mais estranho que alguma vez sentiu. Era escaldante, no verdadeiro sentido da palavra. Hoje pergunta-se como é possível num garoto de catorze anos haver tanto calor. Aquele beijo escaldante e ao mesmo tempo suave e terno assustou-a, mas, também a marcou para sempre. Ao fim de tantos anos, ainda sentia na sua boca a incandescência daquele beijo apaixonado.Mas, o que tem de ser tem de ser. A vida separou-os, e nunca mais houve entre eles alguma carícia mais ousada.A verdade, é que durante todo o tempo que viveram afastados, nunca a imagem daqueles cabelos loiros, e daqueles olhos muito azuis se afastou da sua memória. Sempre que havia um desaguisado com seu marido, ela pensava: - O André nunca me faria isto. E foi vivendo com a imagem do seu primeiro amor bem escondida no fundo do seu coração. Chegou a tão esperada segunda feira. Há hora do almoço ela telefonou-lhe. Atendeu o segurança, e ela pediu para falar com o sr André Silva, fiel de armazém. Quem devo anunciar pergunta o segurança, divertida ela responde, diga-lhe que é uma velha amiga.Quando ele atendeu o telefone, ela cantarolou: - há muito, muito tempo eras tu uma criança que brincavas ao baloiço e ao pião….Do outro lado, ouviu-se um grito de profundo regozijo: Guidinha!!!! Onde estás minha querida? Há tanto tempo que sonho contigo e sem saber de ti, por favor diz-me onde estás quero ver-te Ela disse-lhe que regressara a Lisboa, trabalhava nos laboratórios Davis, e que também gostaria muito de o ver.Depois de uma longa conversa que parecia que ele não queria terminar nunca, combinaram encontrar-se no trabalho dele por volta das cinco horas, ela saía ás quatro dava tempo mais que suficiente.Sempre escrava do relógio e da pontualidade, á hora marcada ela estava ao portão da fábrica.Ele já tinha dado ordem ao segurança para a mandar subir ao escritório dele logo que ela chegasse, e, assim foi.Ficaram frente a frente, ele completamente extasiado de a ver. Não era por nada, mas Guida estava no apogeu dos seus trinta e poucos anos. Sempre fora uma garota elegante e bonita, mas agora era uma mulher madura, senhora de si e sem que ela própria se apercebesse com um charme, que, fazia voltar a cabeça de qualquer homem que se prezasse de o ser.Enquanto ela a olhava, e quase a comia com os olhos, ela ficou a olhar para aquele pigmeu que teria por aí um metro e meio, continuava com os cabelos loiros, mas tinha os olhos azuis mais deslavados que alguma vez vira. Sorriu e pensou: - e foi por este meia leca, feio e sem graça que eu suspirei mais de vinte anos? Realmente a infância e até a pré adolescência eram muito parvas.Ele olhando-a diz:- a idade não perdoa, mas tu estás muito para alem do que eu imaginava. Eu recordava esta menina, e puxando da carteira mostra uma foto dela, tirada de kodak, em que ela teria uns dez anos, usava trancinhas, e era uma gracinha lá isso era. E continua, hoje estás uma linda mulher madura, com tudo certo no sítio certo. E sem mais aquelas puxou-a para si com força e beijou-a num longo e profundo beijo, que ela nem teve tempo de rejeitar, mas sentiu um certo asco. Num frenesim louco ele abraçava-a e beijava-a desvairado, e só não a possuiu ali mesmo porque o telefone tocou, felizmente, ela estava tão aturdida que nem se debatia nem dizia nada.Ele só murmurava no seu ouvido, quero-te, desejo-te desde a minha infância tens de ser minha.Mas recomposta ela respondeu suavemente: - Calma, o mundo não vai acabar hoje. E, como tinha chegado a hora dele sair, saíram os dois, a custo ele tentava esconder a sua enorme excitação.No dia seguinte ele iria ao médico, na Avª da Liberdade, combinaram almoçar juntos, e assim fizeram. Depois de almoço e como ainda era cedo para a consulta, ele levou-a a um hotel, desejoso de a possuir. Como se fosse a coisa mais natural do mundo, ela foi. Ao principio resistiu, mas ele suplicou-lhe quase a chorar que a deixasse possui-la, ou ainda faria um disparate.Com toda a calma, ela deitou-se, e, pasme-se nem se despiu, apenas levantou a saia. Foi mesmo do género descarrega e deixa-me da mão. Claro que ele ficou um pouco desencantado com a situação, embora ela fosse mestra em fingir. Como já eram horas da consulta, vão os dois até á avenida. Iam lado a lado conversando, sem nada que aparentasse terem estado há pouco tempo na cama os dois, quando de repente ela sente um puxão num braço. Imagine-se, era Linda, a mulher dele, que desconfiou dele sair cedo e não levar o carro, resolveu ir ver se ele tinha ido mesmo ao médico. Guida apanhou um susto, só pensou que fosse algum louco que por ali andasse. Linda tinha conhecido Guida há vinte anos, sempre sentira uns enormes ciúmes porque toda a família de André dizia que devia ter sido Guida a casar com ele, estava completamente desvairada. Com toda a calma, Guida convidou-a a tomar um refresco enquanto André ia á consulta. Acalmou-a, conversou com ela, ficando a saber que ele, na véspera ao chegar a casa tinha dito que queria divorciar-se, porque o amor da vida dele tinha voltado.Guida deu uma boa gargalhada, e tranquilizou Linda, dizendo-lhe: - Lembra-se quando ele veio ferido do ultramar, e ninguem queria que casasse consigo, porque a Linda tinha cortado o cabelo enquanto ele esteve ausente(só de lembrar isso sente vontade de rir, quanta ignorância havia naqueles tempos, até parecia que cortar o cabelo era crime) Fui eu quem o convenceu a casar consigo, porque apesar da familia dele murmurar eu achava que a Linda era uma moça honesta e que o amava. Amava-o mais a ele que ele a si, lembra-se?Por isso, fique tranquila. Eu não lhe vou roubar o seu marido. Alíás nem tenho intenção de voltar a casar. Uma vez chegou. Lavada em lágrimas, Linda desfez-se em desculpas, perante Guida que se sentia culpadissima. Contudo quando André chegou viu-as a conversar afavelmente. Decidiram irem levar Guida a casa dos tios, para que eles vissem que ela estava acompanhada pelo casal. Para Guida, dona e senhora do seu nariz, isso não tinha a menor relevância, mas André, cavalheiro á moda antiga fez questão. Lá foram. A partir daí nunca mais se encontraram. Ele telefonava-lhe para o trabalho, mas ela pedia á colega que dissesse que ela já lá não trabalhava. Um dia, Guida estava sozinha e teve que atender o telefone. Era Tininha, querendo saber dela. Respondeu que já não trabalhava, tinha ido para a Lisnave. Tininha respondeu, se não trabalha aí tem a voz muito igual á dela. Só lhe quero dizer que o meu irmão anda completamente transtornado e queria vê-la. Lamento minha senhora, mas a D. Guida já não trabalha cá.E assim acabou uma história de amor que durou mais de vinte anos para terminar em vinte e quatro horas. Vá lá entender-se os desígnios da vida.Já dizia o professor Agostinho da Silva: - Não faças planos para a vida, pois não sabes os planos que a vida fez para ti.
Arroja, 3 de março de 2007
Maria Isabel Galveias