PARCE MAL JOANA, PARECE MAL
Joana, é uma mulher na casa dos quarenta.
Sem ser uma beleza, pode considerar-se um bom exemplar feminino. Alta, bem
proporcionada sem exageros, possui uns longos e bonitos cabelos negros, que
fazem sobressair o azul violeta dos seus grandes e amendoados olhos. Nariz um
pouco arrebitado e uma boca rasgada de lábios carnudos. Não estava mal de todo,
apesar das agruras da vida.
Nesta manhã encontra-se em frente ao
toucador e observa-se em análise critica. Vendo uma ruga aqui, um cabelo branco
ali fica triste e pensativa, perguntando para si mesma:
- Joana, que fizeste da tua vida?
Fazendo uma retrospectiva, vê passar
aqueles anos marcantes da sua vida passada.
Recorda a sua adolescência, quando conheceu
João. Era uma menina de quinze anos. Tinha a cabeça cheia de sonhos, aqueles
sonhos inerentes a todos os adolescentes.
João era um rapagão bonito, um morenaço que
fazia andar a cabeça à roda a todas as cachopas lá da terra, e, Joana não fora
excepção. João apaixonara-se por ela, e, ela, julgou estar apaixonada por ele,
assim começaram a namorar, ás escondidas, naquele tempo era assim. Um leve
sorriso ilumina-lhe o rosto. Ao princípio os pais de Joana não estavam de
acordo com aquele namorico, alegando ser Joana, mal empregada nele, coisas de
pais de uma filha única.
Contudo, lá formalizaram a relação. Quando
um dia Joana percebeu, que afinal João não era o tal, e, quis terminar, seus
pais, ou antes sua mãe, foi contra, argumentando que, já que o namoro tinha
durado dois anos, parecia mal acabar. As pessoas falariam. Joana ficaria
desacreditada. O argumento era sempre o mesmo: parece mal Joana! Parece mal.
Assim, como era muito jovem, dezassete
anos...! Joana acabou por levar o seu namoro até ao fim, casando com João.
Fora feliz? Não, não fora.
Mas, resignou-se à sua vida insossa. Mãe de
duas meninas gémeas, Joelma e Noelma, vivia para elas e para seu marido,
esquecendo-se de si própria. Na altura julgava-se feliz, tinha a vida
facilitada pelo bom e bem remunerado trabalho de João, na companhia dos
diamantes em Angola; mas, faltava-lhe algo que nem mesmo ela sabia definir.
Demasiado ocupada com as filhas, o marido e
a casa, não lhe sobejava tempo para mais nada, nunca saía a lado algum por
causa das crianças, a sua única distracção era a rádio,« naquele tempo em
Angola ainda não havia TV» e a leitura, então que lhe faltava? Ela não sabia.
Sabia apenas que dentro de si, havia um enorme vazio, e, uma grande ânsia de
liberdade.
Quando as filhas chegaram à idade escolar,
Joana quis ir trabalhar, mas, João engenheiro e director técnico da Companhia
opôs-se terminantemente, dizendo:
-Ó Joana, já viste? Com a minha posição,
que diriam por aí por causa da minha mulher ir trabalhar? Não vês que parece
mal? Nem penses semelhante coisa. Parece mal Joana, parece mal!
Nessa altura porém, Joana impôs a sua
vontade. Foi uma briga feia, mas ela acabou por vencer, e lá foi trabalhar como
escriturária, para o escritório da Diamang.
Inteligente, fazendo um trabalho de que
gostava, depressa chegou à categoria de chefe dos Serviços Administrativos e
Comerciais da empresa. Sentia-se melhor consigo mesma, mais confiante até, mas,
continuava a sentir o mesmo vazio em sua vida. Continuava a sentir-se uma ave
engaiolada. Era uma gaiola dourada, com boa comida, mas era uma gaiola, e
qualquer ave sente ânsia de voar pelos céus em liberdade. Joana pensava muitas
vezes para consigo:
- Meu Deus, cortaram-me as asas. Não posso
ser quem sou, terei de ser toda a vida o que os outros querem que eu seja?
Sentia-se rebelar, mas, habituada a
obedecer calava-se, e, lá ia vegetando.
Para cúmulo, João era tremendamente
opressivo, possessivo e ciumento.
Quando por exigência do serviço tinha de
fazer horas extraordinárias, aí estava ele a acusá-la de que o motivo não era o
trabalho, mas a companhia de algum colega que, com ela precisasse de trabalhar.
Se havia uma reunião em que a presença dela fosse imprescindível, era a guerra,
porque no entender de João ela não fazia lá falta alguma, apenas se ia mostrar
aos colegas. No fundo, João não se conformava de que ela tivesse uma vida
profissional igual à sua. Ele era engenheiro caramba! Ela nem havia completado
o 7º ano dos liceus!!!
Sentia que a inteligência, juntamente com a
determinação de Joana a levavam a subir na carreira; o seu brilho ofuscava-o e
ele não gostava nada disso. Ela queria progredir, mas ele manietava-a; dentro
dela a revolta ia crescendo....
Quantas vezes se imaginou a separar-se do
marido, não para arranjar alguém, mas para ser livre, livre para se dedicar ao
seu trabalho sem restrições... se, se divorciasse? Que ideia, não vês que
parece mal Joana? Pensava consigo, parece mal....
Outras vezes......Que horror Joana! Horror?
Sim. Talvez. Mas chegou a desejar que João fosse morto nalguma emboscada...era
triste, era horrível, mas ela chegou a pensar isto.
Hoje, ao lembrar-se Joana sente um
calafrio....
As lembranças continuam...
Um dia, João precisou de ir a uma das
minas, fazer uma inspecção. Para isso era necessário atravessar de barco o rio
Cuango, e ele lá foi. Pouco depois, ouviam-se os nativos a gritar, acorreram
todos a ver o que se passava...sem se saber como nem porquê a pequena
embarcação tinha-se voltado no meio do rio. João e mais quatro nativos que lá
iam sumiram-se nas suas caudalosas e profundas águas; imediatamente se
organizaram buscas; foram encontrados os cadáveres dos quatro nativos, de João
só encontraram um sapato e o chapéu colonial. Coisa estranha, já que João era
um excelente nadador.
Vieram mergulhadores, dragou-se o rio,
enfim foi uma semana de buscas e angústias, mas nada se encontrou. João havia
desaparecido... Passados agora quase trinta anos, ela pensa: terá morrido?
Sempre tivera a impressão de que João encenara a sua morte...
Quem sabe? Ela jamais saberia... Por obra
de Deus, ou manhas do Diabo, Joana ficara finalmente livre, ao principio com a
angustia da dúvida, depois veio a euforia da liberdade, mais tarde o
desespero...
Pouco tempo depois destes acontecimentos,
deu-se na metrópole a revolução dos cravos, ela foi forçada a regressar a
Portugal sem nada, e com duas filhas para criar. Pensara com algum desalento, e
agora Joana? E agora?.... Seu irmão havia morrido na Guiné, por isso seus pais
não viam com bons olhos o regresso da filha, achavam que a guerra tinha sido
por causa da presença dos brancos em África, e portanto, por causa deles seu
filho tinha morrido...mas filha é filha, e as netas então...!
Acabaram por ficar rendidos ao encanto das
gémeas, mas querendo a todo custo controlar a vida de Joana. Ao principio, um
pouco aturdida com tantos dissabores, e, porque na vila onde seus pais moravam
as possibilidades de emprego eram poucas ou nenhumas, ela pareceu aceitar a
autoridade deles...contudo se queria ir ao cinema, logo a mãe repreendia, não
sabes se o teu marido ainda é vivo...ires ao cinema ao fim de tão pouco tempo -
pouco tempo, quatro anos era pouco tempo - para sua antiquada mãe sim, para ela
era uma eternidade, parece mal Joana, o que dirão as bocas do mundo? «Sempre a
contas com as bocas do mundo» parece mal!
Só, que Joana, já não era a menina tímida e
obediente de outrora, era agora uma mulher que se sentia de novo sufocada, pelo
autoritarismo dos pais. Até que um dia disse de si para si:
- Mas porque que me sujeito a isto? Eu sei
trabalhar, não preciso de estar ás sopas de ninguém, nem posso impor esta educação
rígida ás minhas filhas, afinal, só agora percebo que também elas não são
felizes, de que estou à espera?
Sem nada dizer, veio a Lisboa procurar
trabalho, deu a desculpa de que tinha de tratar de assuntos referentes à sua
vida em Angola, e lá conseguiu escapar.
Foi a uma agência, prestou provas, e,
milagre! Saiu de lá com um contrato de trabalho para uma das maiores empresas
do país. O salário era razoável. Por intermédio de um amigo, conseguiu alugar
uma casa modesta, modesta é favor aquilo era pouco mais do que uma toca, mas
tinha um quarto uma minúscula casa de banho e uma cozinha sala, também não
muito grande mas servia. Para ela e as filhas era óptimo, e, era a sua casa!
Tratou da transferência das meninas e veio
para a cidade grande, livre enfim! Livre? Joana sorri...haveria alguém livre?
Joana, és muito nova, viúva, o que é que o mundo vai dizer? «outra vez o mundo»
Não era melhor ficares aqui connosco?
- Não mamã. Eu quero viver a minha vida
junto das minhas filhas, e educá-las à minha maneira. Mas Joaninha, continuava
a mãe, não vês que parece mal? Joana pouco se importava com o que pudessem
dizer; só que, foi exactamente sua mãe a primeira senão a única pessoa a
inventar mexericos, sobre o seu modo de vida. Sua mãe era assim mesmo.
- Ai filha, dizia ela, foram dizer ao papá
que te encontraram com um homem, ele ficou tão triste, fartou-se de chorar...
Pobre dela, jamais tivera olhos para outro
homem que não fora João. Contudo um dia...
Joana sorri para a sua imagem reflectido no
espelho. Pensando: ainda bem que estava sozinha. Era triste por vezes, mas, por
outro lado, fazia tudo o que lhe dava na gana, sem haver quem lhe dissesse,
parece mal Joana, parece mal.
As filhas, tinham seguido o rumo delas;
Joelma era professora de Inglês e Alemão, numa escola em Santarém. Noelma
ficara como lente, na Faculdade de Letras de Coimbra, e, Joana continuava a ser
executiva...
Estamos na época da informática, tudo é
feito através de computadores e via Internet, Joana não escapou à febre do fim
do século vinte. Assim à noite, quando se sentia mais só, procurava a companhia
de quem, por detrás da tela, também se sentia só.
Conheceu, como se diz em linguagem da net,
muitos nicks ou seja muitos nomes e com alguns contraiu uma boa relação e
amizade e carinho que ela considerava saudáveis. Tinha escolhido para si o
sugestivo nick “Juno” era assim que todos os seus amigos inter nautas a
conheciam. Uma noite entrou no chat que Joana frequentava um nick “Zeus” Joana
achou graça á casualidade, espirituosa como era e segura do seu anonimato,
começou a dialogar, ou antes a teclar com Zeus.
Este demonstrava ser uma pessoa culta,
deste modo respondia sempre com graça e subtileza a tudo o que ela lhe dizia,
acabando por se estabelecer entre eles uma grande cumplicidade, de tal modo
intensa, que todos os demais intervenientes habituais do chat, aplaudiam,
chegando mesmo o chat a ter menos audiência quando eles não estavam.
Entretanto enviavam um ao outro mensagens
cada vez mais calorosas, daí a passarem a ser os namorados mais mediáticos
daquele site, foi um piscar de olhos. Iria acabar em namoro real, ou não
passaria de amor virtual? Piscou o olho a si mesma dizendo:
- Ó Joana parece mal Joana, parece mal!
Após o que, dá uma boa e saudável
gargalhada, isto eram águas passadas, já ninguém lhe dizia estas coisas. De
resto que lhe importava a ela que parecesse mal? Não tinha de prestar contas a
ninguém, do rumo que pudesse vir a dar à sua vida. João desaparecera há mais de
vinte anos, por isso ela era oficialmente viúva. Era livre! Livre!!! Tinha todo
o direito de fazer da sua vida o que bem lhe aprouvesse.
Contudo, o romance virtual, era
perfeitamente satisfatório. Subitamente um pensamento lhe ocorreu: curioso. Ao
fim de tanto tempo ainda não perguntara a “Zeus” de onde ele teclava...
Bem, diz para consigo logo à noite se ele
aparecer pergunto. Como que desperta de um sonho, Joana olha para o relógio e
diz:
- Meu Deus, pus-me para aqui a divagar, e
esqueci-me das horas é tardíssimo...!
Vais chegar tarde ao emprego, perece mal
Joana, parece mal. Com mais uma boa gargalhada, apressa-se a vestir-se para
sair.
Após um último retoque mais uma mirada no
espelho volta a sorrir e diz para consigo:
- Joana, ainda estás com muito bom aspecto,
vais destroçar alguns corações, vais vais!
Nova gargalhada, sem saber bem porquê,
sentia-se nessa manhã com menos vinte anos, coisas....!
Eram nove horas da noite quando chegou a
casa exausta, fora um dia de imenso trabalho, e o transito, ai o trânsito,
estava caótico havia futebol, as "latas" eram mais do que muitas....
Não lhe apetecia jantar, assim, despiu-se e enfiou-se na banheira, a fim e
tomar um relaxante banho de emersão colocou um toalhão dobrado sob a nuca
recostou-se na banheira, fechou os olhos e mais uma vez deu rédea solta aos
seus pensamentos.
Quem seria aquele Zeus que tanto mexia com
ela? É que estranhamente ela passou a viver suspensa e ansiosa, para que
chegasse a hora de ir até ao chat, isto para não falar das escapadelas, que
dava no escritório a fim de dar uma espreitadela no correio electrónico, para
ver se havia alguma mensagem que, eventualmente ele lhe tivesse enviado.
Sentia-se de novo aquela jovenzinha de quinze anos que se apaixonara por
João....João!
Mais uma vez ele...Joana não deixava de se
interrogar sobre o que teria realmente acontecido naquele dia distante, tudo
continuava a ser uma incógnita um mistério por desvendar. Depressa afastou este
pensamento.
Que bem lhe estava a saber aquele banho quente
de espuma..!
Outra ideia lhe veio á mente,
Como seria Zeus? Nem se atrevia a imaginar;
mas quem consegue travar a imaginação?
Esta começou a expandir-se Joana vê-se num
lindo jardim, cheio de plantas trepadeiras, floridas que pendiam em cachos; havia
também um lago, sobre esse lago, esvoaçavam pombas brancas que aos pares,
transportavam no bico lindas grinaldas floridas. A água do lago ondulava
suavemente, Joana entrou no lago, e, as pombas vieram pousar-lhe nos ombros,
colocando as grinaldas sobre a sua cabeça; subitamente como que assustadas
levantaram voo. Que teria assustado as aves? Olhou à sua volta e reparou então
num homem que estava sentado numa pedra e que atirava pequenas pedrinhas para o
lago, olhando-a sorrindo, diz numa voz quente e doce:
- Não se mexa, deixe-me admirá-la, é
realmente um deusa a deusa das deusas, você é Juno presumo?
- Sou sim. E você quem é?
-Não
adivinha? Sou Zeus, quem mais poderia ser? Zeus? Então era aquele indivíduo?
Reparou melhor nele; era de estatura mediana, do mais vulgar que poderia ser,
cabelos castanhos, já com uma calvície anunciando-se, uns pequenos olhos
burlões que, à distância ela não conseguia definir a cor...
Mas então Zeus não era um mocetão alto de
caracóis louros? Ou esse era Apolo? Estava confusa.
- Sabe? Continua ele, tem um bonito corpo
assim vestido de grinaldas floridas. -Grinaldas floridas? – olhou para si e
viu-se completamente nua, bem completamente não seria bem o termo, as flores
cobriam-lhe um pouco a nudez como se fora Eva no paraíso....
Zeus ria, parecia troçar dela.
Juno sentiu um calafrio, as tépidas águas
do lago começavam a ficar frias, cada vez mais frias mais frias...ouviu como
num eco o gargalhar de Zeus, enquanto ela queria sair do lago e não conseguia,
este havia gelado e prendera-a no gelo.
Joana deu um espirro, e, viu apavorada que
tinha adormecido na banheira.
Bonito! Uma constipação era o que estava
mesmo a calhar, pensou deveras aborrecida.
Saltou da banheira, tiritando, vestiu o
roupão turco, calçou umas meias quentes, e atchin!
Bela constipação, sim senhor...!
Lembrou-se de fazer uma das tisanas da avó.
Segundo esta, eram tiro e queda para curar constipações. Depois de beber a
tisana sentiu-se melhor, embora o nariz começasse a pingar, atchin!! Lindo só
faltava ficar com febre, diz para consigo. E se tomasse uma aspirina? Assim
fez.
Esta noite Zeus bem podia namorar com
outra, porque Joana estava constipada.
Vá lá acreditar-se no poder das deusas!?
Não pode evitar uma boa gargalhada, ao
pensar nisso.
A tiritar esta deusa enfiou-se na cama, por
fim graças ao que ela chamava “marido” ou seja, o saco de água quente, lá
conseguiu aquecer, e.... atchin!!! Adormeceu.
A mente de Joana, não pára e sonha....
Havia uma longa alameda, ladeada de grandes
acácias rubras, completamente floridas. Aqui e ali, um jacarandá, ou um
cardeal, que, com as variadas cores das suas lindas corolas, matizavam a
paisagem, que, era duma beleza inigualável.
Joana caminhava sem grande pressa. Era um
fim de tarde magnifico, com um pôr de Sol, de incandescência alaranjada,
maravilhoso, como só em África acontece.
Ao fundo da alameda, havia um enorme
casarão, que lhe era vagamente familiar, rodeado por uma sebe de buganvílias
roxas
Havia também um grande jardim. A um canto
do jardim um baloiço em ferro baloiçava, como se alguém o tivesse deixado há
pouco tempo.
Onde estava? Que lugar era aquele?
Pareceu-lhe ouvir uma voz vagamente
familiar chamando:
- Minina Jó! São horas da merenda! Ondi
está minina Nô?
- Vamos mininas, são horas da merenda!!!
Tem que vir depressa, quando patrão chegar, quer ver as minina já lavada e
vestida pra ir nos casa di padrinho di minina....
Aquela voz!? Era a Leopoldina, a criada que
tomava conta de suas filhas...
Estava de novo na sua casa de Lunda,
esforçou-se por lhe ver o rosto mas só conseguia ver um vulto difuso, chamou:
- Leopoldina!! Leopoldina!!
Acordou banhada em suor. E sem mesmo saber porquê
começou a chorar. Que raio de sonho! Quantas saudades lhe trouxe à memória! Ela
que julgava ter esquecido voltou de novo a recordar...
Leopoldina, era uma negrinha bonita e muito
doce. Grande amiga, sua e das filhas. Que seria feito dela? Viveria ainda?
Durante um bom bocado, Joana chorou. Chorou
a sua Angola linda, chorou os amigos que lá ficaram, chorou João de quem nunca
mais soube nada. A dúvida persiste no seu espírito....
Para ela, ele continua vivo. Toda aquela
cena, foi apenas uma encenação dele, para fugir, quem sabe com alguns diamantes
no bolso......
Mas como? Como pôde ele fugir sem que
ninguém desse conta?
Estaria algum negro feito com ele, e, lhe
encobrisse a fuga?
Era no mínimo estranho, só aparecer o
chapéu colonial e um sapato....Enfim, ela sempre disse o mesmo. Se está vivo,
que seja feliz.
De momento, a única coisa a fazer era tomar
um banho quente, e, outra tisana da avó, parece que estava a dar resultado, uma
vez que a fizera transpirar.
Um pouco aborrecida, limpou mais uma lagrimazita
teimosa, fez a cama de lavado, e lá foi para o duche.
De novo na cama, jurou a si mesma, que,
nunca, mas nunca mais, iria pensar em coisas passadas. Nunca mais!!!!!!
Dormiu de um sono só. De manhã, acordou
melhor e mais bem disposta, tinha dado um chega pra lá na gripe, pois então!!
O dia correu como de costume. Foi ver a sua
caixa de correio electrónico, não havia nenhuma mensagem do seu apaixonado
Zeus. Ficou um pouco triste....
Joana! Pensou para consigo, parece mal,
agora depois de velha, andas feita parva por causa de um Zeus qualquer, que nem
sabes quem é?
Ai Joana, Joana! Olha que parece mal...
Sorriu um pouco triste, que raio de coisa,
tudo na sua vida tinha parecido mal.....
Saiu do trabalho, e, foi ter com uma velha
amiga. Ambas resolveram ir ao cinema. Há quanto tempo ela não ia a um cinema?
Há tanto tempo que lhe perdeu a conta. A noite estava fria e triste,
exactamente como ela.....
Hoje também não lhe apetecia, ir namorar.
Estava cansada, e com muito frio. Enfiou-se no saco cama que sempre tinha em
cima do sofá na sala, e deitou-se neste, a fim de ver um programa de televisão.
O filme não tinha sido grande coisa. O
encontro com a amiga, também se revelara insosso e sem graça. De quem seria o
defeito? Dela, que não estava nos seus melhores dias? Ou da amiga, que se
tornara chata, e comprida como um peixe espada?
Sorri de novo, esta expressão era muito
usada por João. Irra!!! De novo! Mas seria possível, que ao fim destes anos
todos ainda se lembrasse dele a todo pé passado?
Mas quem manda no pensamento? Ninguém.
E assim meio desencantada com a vida,
Joana, resolveu ir até à net.
Quem sabe? Talvez se divertisse um pouco? A
sua vida andava tão sem graça. As amigas que tinha, arranjaram namorado, e
deste modo esqueceram-se um pouco dela. Um Pouco? Isso era favor, já havia mais
de um mês que nenhuma tivera o cuidado de lhe telefonar, ao menos isso.
Encolheu os ombros, ralar-se por causa disso? Era o que mais lhe faltava.
Mas...continuava a sentir-se triste, por a terem votado ao esquecimento, e lamenta
de si para si, quando precisarem de alguma coisa, elas voltam a dar sinais de
vida, e, teve um sorriso triste e amargo. Entrou na net. A sala de bate papo do
costume ainda não tinha sido aberta, o que não era de estranhar pois era muito
cedo. Andou por ali vagueando de sala em sala, até que encontrou uma
interessante e deixou-se ficar. Havia inúmeras mãos levantadas a pedir para
subir ao micro, era uma sala do Paltalk, Joana nunca tinha entrado em nenhuma,
embora soubesse como funcionavam, a sua colega Alice, que era visitante
juramentada nestas salas, já lhe tinha explicado.
Ela não tinha o micro ligado, resolveu
apenas ouvir, fazer algum comentário por escrito se fosse caso disso, mas por
enquanto iria ficar quieta, apenas ouvindo. Estavam a passar fados, que bom!
Joana adora fados, e até os canta muito bem, ou cantava, há quanto tempo não ia
assistir a uma sessão de fados? Desde que Luísa arranjara o namorado a sério,
por aí há uns seis meses. Seis meses...? Como o tempo voa, e ela nem tinha dado
por isso. Estava tão distraída que nem se apercebeu que tinham entrado na sala
mais duas pessoas, só reparou quando uma das coordenadoras cumprimentou. Que
idiota ela era, então não é que se esquecera de cumprimentar a sala? A culpa
era do Tony de Matos que cantava o destino marca a hora; decidiu tomar mais
atenção, e não é que lá estava um Zeus_21? Seria o mesmo da sua sala habitual?
Ela mantinha o seu nick de Juno, pensou se for ele vai com certeza
cumprimentá-la. Cumprimentou-o ele respondeu, e, Joana reparou que ele após o
cumprimento retirara a mão que havia erguido para subir ao micro. Trocaram
algumas palavras, como vai, como não vai, a sala não seria muito própria para
dialogar, e ela havia fechado as chamadas ao particular, não havia pois
hipótese dele ir com ela prá “moita” com este pensamento deu uma bela
gargalhada.
Xii! Joana, há quanto tempo não te rias
assim hém? Nesta altura, reparou que Zeus_21 lhe perguntava há quanto tempo
saíra do Olimpo, pois segundo ele, ainda dormia quando ele saiu. Fez de conta
que não viu a pergunta e continuou a deliciar-se com a música. Esta salinha era
agradável, para Joana só tinha um contra, era uma coordenadora brasileira um
pouco implicante; Tinham resolvido nessa noite, fazer um concurso de fado,
Joana achou uma bela ideia, e dispôs-se a ouvir. Só participava quem não fosse
coordenador, esses seriam o júri. Só eles pontuavam os fados, mas quem quisesse
podia fazer o seu comentário. Alguém, passou o Max a cantar as Vielas de
Alfama, após a votação esta foi de 26 pontos, para começar estava bem. O pior
foi que em seguida, outro concorrente passa o António Mourão, Joana pergunta um
pouco a medo: -Isto afinal não é um concurso de fado?
- Sim. Responde a tal coordenadora.
- Mas o que está a passar não é fado é
canção!? - Pode até ser mas é bonito. E para espanto de Joana, não é que o
Mourão leva 46 pontos? Ela ficou indignada e comentou:
- Pobre Max, deu duas voltas no caixão, ao
ver que um dos seus melhores fados era suplantado, por uma canção pimba do
Mourão. A tal coordenadora, vem de lá com esta:
- Você fala assim por preconceito.
- Preconceito? Não é preconceito acho que
será justiça, onde já se viu o Morão cantar melhor que o Max? Só para quem não
gosta ou não conhece fado, mas enfim os gostos são relativos.
- É preconceito sim, você fala assim,
porque eu sou brasileira e dei nota 10, mas fique sabendo, que eu namoro com um
português, vamos até casar, e logo logo, serei também uma senhora portuguesa, e
se acaba o preconceito. Joana sem querer arregalou os olhos pró monitor, e
disse em voz alta: e esta hém?
De resposta pronta sempre, retorquiu, tem
piada, eu nomoro com um senhor preto, e logo logo vou virar uma senhora preta,
já viu o preconceito?
Afinal de onde vem o preconceito? Só de
cabeças tontas poderiam sair tais ideias. O que teria a ver, o Max, o Mourão, e
o facto da dita senhora ir casar com um português?
Reparou também que mais pessoas acharam que
os votos eram dados por quem não entendia nada da nossa canção nacional.
Continuou o concurso, cantaram a Amália, a Cidália, o Carlos do Carmo, enfim
todos os grandes da nossa lista de fadistas, e para desgosto de Joana, ganhou
um participante que apenas tocara canções, que nada tinham a ver com o fado,
mas eram bonitas.
Entretanto, houve um coordenador, que após
ler os comentários do “público” tentou explicar que nestas coisas de concursos
havia sempre partidarismos, e que infelizmente até numa brincadeira feita numa
sala de bate papo, tinha acontecido o mesmo.
Ele também não concordava que a Amália
levasse um 3 num dos seus melhores fados, que é o Fado Português, mas enfim,
gostos não se discutem, e lá continuou o “espectáculo”. Zeus_21 fez comentários
brejeiros, atirou algumas farpas, como quem não quer nada, e perguntou a Joana
se ela ia ali muitas vezes, pois esta teria sido a sua primeira vez.
Joana respondeu que não, e que costumava
frequentar a sala maiores de 45 do Hotmail.
E conversa puxa conversa ficaram a saber
que eram os mesmos, Juno e Zeus de sempre. Já eram quase 4h da madrugada e
Joana estava com sono, assim despediu-se de todos, e quando ia a sair, Zeus
pergunta:
- Então? Amanhã na nossa sala?
Ela assentiu e desligou-se do paltalk. Fora
uma noite agradável, bons fados, melhores fadistas, alguns pimbas, mas enfim,
tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado, pensou sorrindo.
Decidiu também, apesar de a considerarem preconceituosa, Voltar ao Clube de
Fado assim se chama a sala. Por qualquer circunstância, aquele gesto de Zeus
retirar a mão para não falar, ficou a mexer na sua cabeça. Deduziu que se
conheciam pessoalmente, sem que ela soubesse quem ele era, mas se era assim,
ela ia apanhá-lo, pois na próxima vez, entraria com outro nick bem diferente do
actual. Imaginando o seu plano de ataque a Zeus_21, fez uma tisana, de
camomila, que bebeu acompanhada de duas bolachas e foi dormir.
2º CAPITULO
Depois de muito conversar e se divertir com
Zeus através da Internet, houve um dia em que este a convidou para se
conhecerem; um tanto ou quanto relutante, Joana acede ao pedido do seu amigo
virtual. Resolveram encontrarem-se numa tarde de 6ª feira, dia em que Joana
saía um pouco mais cedo do trabalho, e, casualmente ele também. Marcaram o
encontro na pastelaria Suíça, por volta das dezassete e trinta.
- Minha querida Juno, pergunta ele, como
nos vamos conhecer? Impulsivamente Joana responde:
- Irei vestida com um taylor cor de malva,
então, responde Zeus, eu levarei um bouquet de botões de rosa vermelhos, por
elas irás conhecer-me. Tagarelaram mais um pouco e como já era tarde, Joana
despediu-se do seu amigo e foi deitar-se. Já na cama, lembrando-se do que
tinham combinado veio-lhe á memória a voz da mãe, parece mal Joana parece mal.
Chegou a tão desejada sexta feira. Depois
de muito meditar, Joana resolveu que, em vez do taylor cor de malva levaria um vestido.
Como era Verão optou por um modelo bege, fresco e elegante, que lhe assentava
como uma luva, alem de lhe realçar as formas harmoniosas do seu corpo. Tinha
decidido dar-se a conhecer, no caso de Zeus lhe inspirar alguma simpatia, é que
nestas coisas da net todo o cuidado é pouco, e anda por aí muita gente a
enganar outra tanta, não verdade Joana? Pergunta piscando o olho à sua figura
que se reflectia no espelho, e, tranquilamente lá foi trabalhar. A empresa em
que Joana trabalhava, estava a atravessar um fase difícil, e todos receavam que
abrisse falência, nesse caso, só os empregados mais antigos ficariam. Joana que
só lá estava há seis anos, andava um pouco nervosa, mas, não valia a pena
preocupar-se por antecipação. Quando chegou ao escritório, sua colega Rita,
ainda não estava, o que fez com que Joana pensasse, que Rita fazia tudo quanto
queria, sem dar explicações a ninguém, enfim havia pessoas com sorte disse de
si para consigo encolhendo os ombros.
Seriam umas dez horas, quando o Sr. Alves,
chefe do pessoal, entrou no gabinete de Joana.
Ela detestava-o, era um velho baboso que
fazia olhinhos a todas as mulheres que trabalhavam na empresa. Bom dia Joana,
cumprimentou o Sr. Alves, então já sabe que a Sra. e a Rita vão ter de prestar
provas de aptidão, para decidirmos quem fica nos quadros definitivos da
empresa? Joana olhou-o estupefacta, vamos fazer o quê? Inquiriu incrédula. - -
Então ainda não sabia?
Pois vai ser assim, e, como sou eu quem faz
as avaliações….
Joana detestava aquele homenzinho atarracado,
balofo, com uns olhinhos azuis deslavados, escondidos atrás duns óculos
grossos, sempre a arrastar a asa a tudo o que era um rabo de saia.
- O que quer dizer com isso Sr. Alves?
- Quero dizer que, se a Joana for simpática
comigo, tem muitas hipóteses de ser a escolhida. Joana teve ganas de lhe atirar
o agrafador à cara, mas conteve-se, apenas perguntou:
- Então e a Rita?
- Deixe lá a Rita, só tem de pensar em si.
Dito isto saiu. Joana estava indignada. Que
pensaria disto o Sr Sousa? O Sr. Sousa era o dono da empresa, mas vá lá
saber-se porquê, administrava esta a partir de sua casa, vantagens das novas
tecnologias. Só os chefes de secção conheciam o patrão. Ela nunca o tinha
visto, ou falado com ele, enfim pensou, cada um com sua mania. Joana atirou-se
ao trabalho. Depois de terminar uns relatórios, dirigiu-se ao gabinete do Sr.
Alves a fim de os entregar. Como sempre deu uma leve pancada na porta e entrou,
contudo não passou dali, espantada com o que viu. Sobre a enorme secretária
estava Rita, meio nua, e, sobre ela o Sr. Alves, que, numa desvairada loucura a
possuía com violência. Rita olhou para ela e piscou um olhos com malícia, o Sr.
Alves nem deu pela sua presença. Joana saiu fechando a porta enojada. Sem se
aperceber deu consigo a amaldiçoar o seu invisível patrão. Era dele a culpa do
que se estava a passar; nunca tinha visto uma empresa em que o dono primava
pela ausência. Irritada olhou para o relógio, finalmente cinco horas. Arrumou a
secretária, o que fez com que se lembrasse de Rita, esta deixava sempre os
papéis em desalinho, e, costumava criticar Joana, por ela ter o cuidado de
arquivar e guardar as cartas e os processos, deixando sempre a secretária
arrumada e o PC tapado com o respectivo resguardo. Seria mania sua, mas achava
que estes cuidados faziam parte da boa profissional, que se orgulhava de o ser.
Tinha aprendido assim, e, assim faria sempre. Joana olhou em volta, tudo estava
em ordem. Quando ia a pegar na mala pronta para sair, entrou Rita, vinha um
tanto ou quanto desalinhada, mas parecia contente. Joana despediu-se dela, e,
quando ia a fechar a porta a colega diz-lhe:
- Então Joana, é hoje que vais conhecer o
tal amigo? - Quê? Quem?
- Então Joana! Não tinhas um encontro hoje?
Estou louca para saber como será o teu apaixonado. Joana deu-se conta de que
com a barafunda daquele dia, se havia esquecido da entrevista. É verdade, ela
contara à colega que considerava amiga, toda a sua aventura cibernauta. Depois
do que vira estava bem arrependida. Resolveu mentir. Não, Rita, resolvi não ir,
não tenho paciência para aturar malucos. Até segunda e bom fim de semana,
despediu-se saindo. Pois sim, diz-me dessas, pensou Rita, estás é com inveja
porque o Sr. Alves me preferiu, já te esqueceste que tenho trinta anos, e tu já
passaste dos quarenta.
Estava um fim de tarde calmo, quando chegou
à rua, Joana respirou fundo. O ar era quente e cheirava a maresia. Calmamente,
desceu a avenida e dirigiu-se à “Suiça”. Independentemente do “encontro”
apetecia-lhe um gelado, e, os da “Suiça” eram óptimos. Entrou na pastelaria e,
dirigiu-se a uma mesa milagrosamente vaga, que ficava num recanto ao fundo da
sala, de onde podia ver sem ser vista. Sentou-se de frente para a porta de
entrada. Pediu um “Rossio” e um copo de água; olhou o relógio eram cinco e meia.
Como sempre chegara cedo, acendeu um cigarro que fumou calmamente. Quando o
empregado trouxe o gelado, Joana olhou para a porta e viu um ramo de rosas
vermelhas, que, escondiam o rosto de quem as levava; discretamente Joana mudou
de lugar a fim de ficar menos visível, tinha curiosidade de ver bem a figura de
“Zeus” antes de dar-se a conhecer. Pagou o gelado e o empregado afastou-se
dando-lhe oportunidade de olhar a figura do transportador das rosas. Primeiro
viu umas calças brancas sobre as quais caía uma camisa com uns arabescos ou
ramagens azuis, absolutamente ridícula, uma vez que Lisboa não era propriamente
as Caraíbas. O ramo das flores mudou de sítio deixando ver o seu transportador.
Joana quase deu um grito. O tal “Zeus” era nem mais nem menos que o Sr. Alves.
Ao princípio ficou indignada, mas, ao ver aquela figura balofa, atarracada e
tão completamente ridícula, foi obrigada a abafar uma gargalhada. Baixando a
cabeça para comer o gelado, muito discretamente não perdia de vista o “seu”
“Zeus”. Este depois de passear os olhos pela sala procurando alguém vestido cor
de malva, e, não encontrando, consultava nervosamente o relógio, indo até à
porta de onde voltava cada vez mais nervoso, acabando por se sentar numa mesa
que acabara de ficar vaga. Felizmente sentou-se de costas para Joana. Não a
tinha visto. Joana comia o seu grande gelado sem pressa, curiosa em saber o que
aquele homenzinho asqueroso iria fazer. O Sr. Alves esperou cerca de meia hora;
vendo que a sua “Juno não aparecia, levantou-se de um salto, e, furioso ia
deitar as flores no lixo, mas arrependeu-se e levou-as consigo. Joana deixou
passar mais uns minutos e só depois saiu. Olhou em redor. Ninguém conhecido
andava por ali. Com um suspiro de alívio, foi caminhando em direcção ao parque
onde guardava o carro. Meteu-se nele e resolveu ir até Belém, apetecia-lhe ver
o mar. Como era Verão, não havia muito trânsito. Depressa chegou. Teve sorte,
havia muitos lugares vagos sem parquímetro. Caminhou até à beira-mar,
embrenhada em seus pensamentos. Num curto espaço de tempo, vieram-lhe à ideia
umas quantas sugestões relativas à empresa, à Rita, ao Sr. Alves e àquele
pseudo concurso que iriam fazer. Certamente aquilo eram ideias do Sr. Alves a
fim de a levar para a cama. Era asqueroso na sua lascívia. Joana sentiu um
arrepio de repulsa. E se ela fizesse uma exposição ao Sr. Sousa contando o que
se passava? Mas seria que este não sabia? Afinal o Sr. Alves era o chefe de
pessoal. Fazia e desfazia como queria e entendia. Joana tinha seis anos de
casa, não seria fácil ser despedida. Este pensamento tranquilizou-a olhou o
relógio, céus!!! Eram vinte e duas horas. O tempo tinha passado sem ela se
aperceber, naquele magnifico fim de tarde. Meteu-se no carro e dirigiu-se a sua
casa.
Sentia-se cansada, sem ânimo para nada
Tomou um duche, como estava calor vestiu um baby doll e por cima deste um
kimono de seda, apanhou os cabelos no alto da cabeça, vendo de relance a sua
figura, riu-se, parecia uma gheisha, sentindo-se mais leve e bem disposta, foi
até ao computador ver o correio, após o que foi até à sala de conversa: sempre
queria ver se “Zeus” lá estava e o que lhe diria. Entrou na sala, lá estava
ele, que, logo a chamou para conversa em privado.
- Então Juno, que te aconteceu?
Esqueceste-te do nosso encontro?
- Desculpa, não me foi possível, apareceram
visitas de última hora, e sabes como é!
- Foi pena, tinha tanta vontade de te
conhecer...!
- Eu também tenho vontade de te conhecer,
mentiu descaradamente sorrindo, mas vai ser difícil.
- Porquê?
- Vou para Coimbra. A minha filha, precisa
de mim perto dela; enfim a vida é assim mesmo, de repente muda tudo. Vim aqui
hoje, apenas para me despedir de ti. Lá não sei se terei acesso à net.
- Não vou voltar a falar contigo?
- Não sei, mas duvido que seja possível,
vou estar muito ocupada. Bem, meu amigo, vou sair. Foi um prazer teclar contigo
durante todo este tempo.
- Oh Juno! Que pena tenho de não te
conhecer!
- Hão de aparecer por aqui outras “Junos”
ou Afrodites, ou outras deusas quaisquer. Beijinhos amigo, e, até sempre.
Depois de escrever isto fechou o computador. Estava cansada e foi tentar
dormir. Tinha sido um dia com demasiadas e emocionantes surpresas. O fim de
semana, foi tranquilo e relaxante. Leu, dormiu e viu TV. Que bom! Porque seria,
que na segunda feira de manhã, quando chegou ao escritório, não ficou nada
admirada, ao ver um ramo de rosas vermelhas, já abertas, na secretária de Rita?
Subitamente ficou um pouco alarmada, teria a colega dito alguma coisa sobre o
seu encontro “pseudo amoroso”? E se o parvalhão do Sr. Alves viesse a descobrir
que a tal “Juno” era ela? Afastou essa ideia, melhor nem pensar em semelhante
coisa. A ideia de falar com o Sr. Sousa, continuava a martelar-lhe na cabeça.
Mas, como havia de fazê-lo? Lembrou-se então de que o chefe dos serviços
administrativos, era amigo intimo dele, e foi perguntar-lhe. Bateu á porta do
gabinete, e após ouvir o costumado “entre” entrou decidida. Joana não gostava
muito de ir a este gabinete, sem saber porquê, o Sr. Mendonça, fazia-lhe
lembrar o seu desaparecido marido. Contudo o Sr. Mendonça era um homem já com
uma certa idade afável e simpático, pena não ser ele a administrar o pessoal.
Tudo seria melhor. Enfim. Nada é como desejamos que fosse.
- Então Joana, o que a traz por cá aos meus
domínios?
- Ai senhor Mendonça, nem sei por onde
começar, mas o motivo principal, é pedir-lhe o favor de me marcar uma
entrevista com o “patrão”, será tão amável que me faça esse favor?
- Mas que se passa? Alguma coisa grave?
- É mais ou menos, mas gostaria de falar
com ele pessoalmente, até porque nunca o vi, e tenho uma certa curiosidade,
disse rindo. O Sr. Mendonça, não fez mais perguntas, parecia a Joana, que este
homem sabia sempre tudo, ou então não sabia nada, nem estava interessado em
saber. Apenas respondeu: - - - - Está bem. Vou falar com ele e pedir-lhe que a
receba.
- Ah, obrigada, muito obrigada Sr. Mendonça
nem imagina o favor que me faz.
Seriam perto de quatro horas, quando o Sr. Mendonça
telefona dizendo:
- Pronto Joana o Sr. Sousa recebe-a hoje ás
dezoito horas, está bem assim?
- Hoje? Admirou-se Está muito bem,
sinceramente nunca pensei que ele me recebesse. Já que não costuma falar com o
pessoal.
- Não diga isso Joana. O Sr. Sousa atende
sempre alguém que queira falar com ele. É uma pessoa muito acessível, respondeu
o Sr Mendonça para espanto dela.
- Pois eu julgava que não, disse sincera.
Como nunca o vi e sei que poucos o viram...
- E diga-me, já alguma vez precisou de lhe
falar?
- Não efectivamente.
- Então não pode fazer juízos de valores,
riu ele.
- E, como faço para lhe falar, nem sei onde
ele está nem onde mora. Ele deu uma pequena gargalhada.
- Vejo que a minha cara amiga, não é
curiosa. Pois bem, para falar com o “patrão” basta subir á cobertura deste
prédio, é lá que ele mora. Ou pensava que seria no outro lado do mundo?
- Mais uma vez obrigada Sr. Mendonça.
Estava completamente siderada. Afinal o “patrão” estava “ali”! Como poderia
imaginar? Sempre absorvida com o seu trabalho, nunca tinha perguntado por ele.
Os outros saberiam? Sentiu-se completamente estúpida. Ai Joana Joana, agora é
que é caso para dizer, parece mal Joana parece mal!
Achou que não parecia assim tão mal e
sorriu.
- Olá Joana! Estás muito sorridente hoje!
Disse Rita entrando no gabinete. Joana olhou-a. Parecia radiante. Radiante e
atrasada, eram quase onze horas! Encolhendo os ombros pensou mais uma vez, que,
havia pessoas com sorte, ou seria antes com pouca sorte? Rita devia prestar os
seus “favores” ao chefe do pessoal, por isso vinha tão tarde. Realmente a vida
é uma merda, pensou com uma certa tristeza, não te invejo a sorte amiga. Mas só
pensou, sorriu e não disse nada.
*****************
Decidida, Joana foi falar com o “patrão” e
só então reparou, que, a porta ao lado da que costumava utilizar, pertencia ao
mesmo prédio. Sempre pensara que seria outro edifício. Ai Joana, Joana, andas
tão a leste de tudo.... Subiu até à grande cobertura, só havia uma porta no
hall, tocou a campainha. A porta foi aberta por uma corpulenta empregada de cor
negra que envergava um impecável uniforme. Algo lhe era familiar nesta
empregada, mas não soube definir o que seria. Esta quando viu Joana, fez um
gesto de espanto de tal maneira, que quem se espantou foi Joana. Olhou para o
enorme espelho que havia no hall de entrada, a ver se tinha alguma coisa
desalinhada, mas não, estava tudo perfeitamente. Disse apenas:
- Sou Joana Fonseca, tenho uma entrevista
com o Sr. Sousa, pode por favor dizer-lhe que já cheguei? A empregada arregalou
os olhos e disse:
-D. Senhora Joana, não lembra de mim?
-Joana olhou de novo para ela, e respondeu:
-Devia lembrar-me?
-Senhora, já esqueceu Leopoldina?
- Leopoldina? Exclamou Joana. A minha
Leopoldina? Tu és a minha Leopoldina? Estava incrédula. Estaria a empregada a
brincar com ela? De facto algo lhe era familiar naquele rosto, mas já se tinham
passado tantos anos. E sempre partira de principio que Leopoldina teria ficado
lá por terras de África, ou até morrido....
- Sim senhora, eu é Leopoldina. Ai senhora,
tanta saudade de senhora! Eu nunca pensou que iria ver senhora outra vez! E as
minina? Joana, espantada mas feliz por ver de novo a sua amiga, chorava.
Leopoldina chorava também. Foi um reencontro deveras emocionante para ambas. As
meninas, responde Joana, estão bem. Cresceram. Já se licenciaram, e estão a
trabalhar cada uma para seu lado. Ai, senhora tanto tempo, e tanta coisa
aconteceu. Mas entra senhora, vai falar com “patrão” depois nós conversa, disse
Leopoldina com um sorriso molhado de lágrimas de alegria, abrindo a porta do
gabinete, dando passagem a Joana. Esta pediu licença e entrou. Entrou não.
Ficou especada na porta, olhando pasmada o homem que se encontrava sentado à
secretária. Ficou sem fala. Este sem levantar os olhos dos papeis que estava
consultando, diz apenas numa voz suave:
- Entre Joana, espere um pouquinho que eu
já a atendo, é só fazer um telefonema. Joana continuava atónita. As lágrimas
rolavam-lhe na face sem ela dar por isso. A seu lado Leopoldina também sorria e
chorava em simultâneo. Quando “ele” enfim acabou de falar ao telefone e
levantou os olhos para Joana, ficou também mudo, quedo, estupefacto. Ambos se
olhavam sem conseguir articular um som. Foi Leopoldina quem quebrou aquela
tensão dizendo:
- Patrão, é senhora que chegou.
João, pois era ele em carne e osso,
respondeu num sussurro:
-Sim Leopoldina já vi que é senhora que
chegou. Joana não queria acreditar no que via. Pois João, seu marido, estava
ali, são e salvo, e nunca se tinha dado ao incómodo de a procurar, ou procurar
as filhas? Estava indignada. A sua primeira reacção foi sair dali depressa,
antes que lhe atirasse com alguma coisa acima. Assim deu meia volta disposta a
sair. Leopoldina deu um grito:
- Senhora! Espera! Não vai embora. Tem
muita coisa que senhora precisa saber!
Mas Joana não lhe deu ouvidos e saiu
disparada. Meteu-se no elevador e depressa chegou à rua. Chorava sem querer
chorar. Cá fora a tarde estava quente, mas ela sentia frio, um frio que lhe
vinha da alma, um frio que lhe vinha da raiva que nesse momento sentia. Não
encontrava palavras para explicar toda aquela situação. Era horrível o que lhe
estava a acontecer. Fossem quais fossem os acontecimentos João não tinha
desculpa. Era imperdoável tudo o que fizera.
Ainda atordoada, com aquela situação,
desceu a Avenida. A raiva e a dor faziam com que as lágrimas lhe corressem na
face embora a contra gosto.
- Pára de chorar Joana, dizia para si
mesma. Já choraste o bastante, ou ainda não? Que parva fora. Sempre suspeitara
do desaparecimento de João, mas nunca pensou que ele a abandonasse a ela e ás
filhas. Depois de tudo o que acontecera em Angola, ele, não se tinha dignado a
procurá-las. Não se importara com a sua sorte, nem se estariam vivas, mortas,
ou se passariam fome.... Não tinha perdão. Não havia desculpa para o seu
procedimento. E agora? Como contaria ás filhas, que, afinal o pai não tinha
morrido como elas pensavam? Como dizer-lhe que o pai além de ladrão, sim porque
para fingir o seu desaparecimento é porque tinha roubado alguns diamantes, era
um crápula, e que pura e simplesmente as tinha abandonado à sua sorte. Como
dizer-lhes que o pai jamais se tinha interessado por elas, como? A dúvida
assaltava-a, deveria contar ás filhas? O melhor seria não lhes dizer nada?
Contudo elas deveriam saber. Se não lhes contasse e elas viessem a saber por
outra fonte? Chegou enfim ao carro, meteu-se nele e cega pelo pranto que
teimava em cair, meia louca, dirigiu-se para a marginal, e meteu direito a
Cascais. Ia como sempre desafogar as mágoas com a sua amiga Júlia. Afinal só
ela a compreendia e tinha sempre uma palavra amiga, um carinho, um conforto.
Que diria Júlia de tudo isto? Chegou a Cascais já eram dez horas da noite.
Ainda duvidou se deveria ou não incomodar a amiga. Esta era uma senhora, com
setenta anos. Conheceram-se ainda em Lisboa mas já a bordo do Império, navio
que levou Joana para Angola. Júlia muito mais velha que Joana, já fizera esta
viagem muitas vezes, o marido era colega de João e pediu-lhe que acompanhasse
Joana, pois era a primeira vez que esta viajava. Logo que se conheceram ficaram
amigas, Júlia era uma espécie de mãe para ela, até as miúdas lhe chamavam
carinhosamente avó. Após a morte do marido por terras de Angola, Júlia viera
para a metrópole, só muito mais tarde é que Joana e as filhas vieram também.
Também ela sempre desconfiara do desaparecimento misterioso de João, e muitas
vezes alertara a sua amiga, mas quem podia ter certeza de alguma coisa? Á porta
da amiga Joana ainda hesitou, mas por fim lá se decidiu e tocou à campainha.
Júlia ao ver a sua amiga, quase uma filha para ela, naquele estado alterado e
com os olhos inchados e vermelhos de chorar, perguntou:
- Joaninha que aconteceu? Foste despedida?
Foi alguma coisa com as miúdas?
Então sim, Joana desata num soluçar, que
não tinha mais fim. Júlia como sempre, calma e serena deixou-a chorar. Apenas a
abraçou e afagando-a dizia-lhe, chora amiga, chora se sentes necessidade de o
fazer...
Depois de dar vazão à emoção ao desgosto e
ás lágrimas, Joana fica mais calma, e descreve à amiga, tudo o que lhe
acontecera nessa tarde. Conta-lhe como ficara estupefacta dando de caras com um
marido, que, ela julgava morto há mais de vinte anos, e pergunta:
- E agora? Que devo fazer? Devo contar ás
minhas filhas que o pai que elas consideravam morto afinal está vivo, rico e de
boa saúde?
Ternamente a amiga afaga-a e responde:
- Acho que sim Joana. Deves contar-lhes
tudo, e deixar que elas próprias tomem as suas decisões. Afinal já não são duas
criancinhas indefesas, mas sim duas grandes mulheres, que, tu, sozinha
conseguiste criar e ensinar. Não tenhas receio, elas são fortes e por certo
decidirão da melhor maneira. Agora quem me preocupa és tu. Que vais fazer?
Legalmente nada te prende a um marido desaparecido há tanto tempo. Como sabes,
ao fim de cinco anos de desaparecido, é dado como morto.
- Sim amiga, sei disso, responde Joana com
desalento, mas já viste que afinal sou viúva de um marido vivo?
A amiga, continua, o que me intriga no meio
de tudo isto, é o mistério que envolveu o desaparecimento do teu marido. Sempre
me intrigou, e, agora que ele milagrosamente aparece, sinto-me cada vez mais
confusa.
Tenho a certeza que ele te adorava, adorava
as filhas, não foi para fugir de vós que ele desapareceu. Assim sendo, qual
seria o motivo?
- Ai amiga – responde Joana
– Então não se está mesmo a ver, que ele
deve ter roubado alguns diamantes, e, encenado tudo, para que não fosse
descoberto e preso? Depois com a venda dos diamantes construiu outra vida, e
esqueceu-se das filhas. Já não falo de mim, mas das filhas! Nunca se mais se
interessou por elas. E contudo, elas e eu não desaparecemos. Viemos embora, com
tudo regularizado, após os incidentes que tiveram lugar naqueles dias tão
conturbados.
- Não Joana, aí há mais qualquer coisa. Não
me disseste que a tua criada estava com ele?
- Sim está. Quando a vi nem queria
acreditar. A minha amiga e fiel Leopoldina que eu julgava também desaparecida,
afina, está viva e de saúde, tal como o seu “querido e estimado patrão,
responde Joana, com a indignação própria de que foi enganada durante tantos,
mas tantos anos.
- Já te passou pela cabeça, que, o João
pode ter voltado a Lunda para te ir buscar, ou para saber de ti? Só assim se
compreende que a Leopoldina esteja com ele.
- Pois, perguntou por mim, perguntou pelas
miúdas, e ninguém lhes disse que tínhamos vindo para a metrópole, nem mesmo Leopoldina?
Ora amiga, deixa-te de tretas. Se isso tivesse sido assim, ainda mais me
ajudas, então porque foi que nunca nos procurou? Bastava ir aos registos
centrais e ficaria a saber de nós. Não amiga, essa não me convencerá jamais.
- Joana, esfria a cabeça. Ás vezes a vida
faz coisas connosco, que são difíceis de entender, mas que têm sempre a sua
razão de ser. Há sempre um motivo. Há sempre uma razão que a razão desconhece.
- Está bem. Mas uma coisa, eu garanto, nem
que passe fome, para aquela empresa eu não voltarei jamais.
- Não sejas parva! Vais deixar um trabalho
de que gostas e onde estás tão bem vista, por causa desse orgulho estúpido?
- Estúpido? Ai achas que sou estúpida ainda
por cima. Claro, até tens razão, eu tenho sido muito estúpida com a vida que
tenho levado desde que o João “morreu” até parece que estava à espera do D.
Sebastião, e afinal ele até apareceu num dia não de nevoeiro mas de sol e
calor. Ora amiga, então devo manter o meu emprego, mesmo sabendo que o patrão é
o meu “defunto” marido?
Enquanto não soube da sua existência era
uma coisa, mas agora é outra completamente diferente. Não. Decididamente não
vou conseguir. É demasiado violento para mim. Vou sair de lá. Em algum lugar
hei de encontrar trabalho, se não encontrar vou para a pré reforma, o que
ganhar para mim vai chegar por certo. Já passei grandes dificuldades, como
sabes, quando as garotas andavam a estudar, e sobrevivi. Agora também vou
sobreviver, verás!
- Joana, Joana, o que para aí vai. Vamos
acalma-te e raciocina.
Conhecedora do espírito combativo de Joana,
a sua amiga com estas palavras estava a tentar espicaçá-la para ela reagir. Só
um sentimento de raiva e quiçá vingança, iriam trazer Joana de novo à luta, não
a deixariam cair no desânimo, evitando assim o perigo de uma depressão. Também,
ela, não acreditava muito em João. Afinal ele comportara-se muito mal. Mas…
sabe-se lá que terá acontecido. Como ela gostaria de ouvir a história dele…!
Com este pensamento, continuou a dizer para
Joana: - Já viste que podes, agora sabes quem ele é, exigir-lhe na empresa o
lugar a que tens direito por mérito próprio, e não, como a tua colega, que,
para o conseguir, concede favores ao chefe? Inclusivamente, quem sabe? Podes
vir a pôr esse tal chefe no lugar que lhe pertence ou seja a varrer a rua?
Dizendo isto deu uma gargalhada, que contagiou Joana, fazendo com que ela se
risse, no meio do seu desgosto.
Depois daquela gargalhada, aparentemente as
duas amigas ficaram um pouco menos angustiadas, cada uma tentando desanuviar a
outra. Conversaram muito lembrando coisas passadas em comum. Contudo os
pensamentos duma e de outra eram diferentes. Enquanto Júlia magicava na forma
de descobrir o que na verdade tinha acontecido com João, Joana pensava na
melhor maneira de sair da empresa deste.
Ao fim duma longa conversa, Joana decide-se
a ir para Lisboa. Júlia ainda a tentou convencer a ficar em sua casa, dado o
adiantado da hora, mas Joana insistiu e regressou a casa. Precisava de estar só
para pensar e decidir o que fazer com a sua vida. Decididamente não lhe
agradava nada a ideia de continuar no seu actual trabalho, embora estivesse à
beira duma promoção, pela qual tanto trabalhara e se esforçara. Melhor ficar
sem emprego do que trabalhar para o seu “falecido” marido. Isso nunca! Estava
decidido.
Perguntava-se se ele teria ou não
conhecimento de que ela era sua empregada. Seria possível ser tão cobarde que
tendo conhecimento disso, se abstivesse de entrar em contacto com ela?
Quanto mais pensava no assunto mais furiosa
e desiludida se sentia. Mas se assim era, porquê aquela expressão de espanto
quando a vira à entrada do seu escritório? E porquê também o espanto de
Leopoldina quando a viu? Saberia ele, e, não dissesse nada à criada para que
esta não a procurasse?
Estes pensamentos martirizaram-na durante
todo o percurso até a casa.
Depois de chegar a casa, preparou um banho
de espuma relaxante. Tinha de pôr as ideias em ordem. Precisava descansar a
cabeça, que parecia querer estoirar. Era incrível, tudo o que lhe tinha
acontecido naquele dia. Enfim amanhã seria outro dia e mesmo com nuvens se as
houvesse, o sol brilharia de novo. Subitamente outro pensamento lhe ocorreu,
como dizer ás filhas que afinal o pai estava vivinho da silva, e aparentemente
de muito boa saúde, alem de ser um empresário riquíssimo? Qual seria a reacção
delas? Incógnitas e mais incógnitas. Não teve outro remédio, contra a vontade
tomou um tranquilizante, tinha que dormir, para com a cabeça fria tomar as
devidas decisões.
Após a partida da sua amiga, Júlia ficou a
congeminar a forma de chegar a João, a fim de esclarecer todo aquele imbróglio.
Era muito estranho tudo o que se estava a
passar, e, o que se tinha passado. Alguma coisa lhe escapava, e, ela, tinha de
saber o que era, ou não se chamasse Júlia.
Logo de manhã, resolveu ir até á capital e
procurar João de Sousa, e, tentar ouvir a sua história, caso ele a quisesse
contar claro está. Estava convencida de que ele lhe contaria a suar versão, não
estava convencida é que essa fosse a versão verdadeira. Isto de homens, nunca
se pode confiar, não pode não!
Chegada que foi aos Restauradores, saiu do
metro e decidiu fazer a pé o resto do caminho até casa do visado João. Ainda
era cedo, seria melhor esperar pela hora de almoço.
Tocou á campainha e apareceu-lhe Leopoldina
a abrir a porta. Não se reconheceram. Júlia deduziu quem era porque a sua amiga
lho dissera na véspera.
- Por favor, queira dizer ao sr Sousa que
Julia Brandão lhe deseja falar.
- Não sei se patrão pode receber, gaguejou
a empregada.
- Diga-lhe o meu nome, Julia Brandão, e ele
recebe-me com certeza. Sou uma velha amiga, que ele conheceu em Angola.
- Sim senhora. Por favor espere aqui na
sala. Eu vai avisar meu patrão. Fique á vontade senhora.
Passou um bom bocado. Cerca de meia hora.
Júlia já pensava que João não estava, ou não a queria atender. Preparava-se
para se ir embora, quando Leopoldina a veio chamar para o escritório do patrão.
Júlia estava curiosa. Reconhecer-se-iam?
Afinal já tinham passado quase quarenta
anos. Quando Júlia se veio embora de Angola, João era ainda muito novo, e os
anos não passam em vão. Já se arrependia de ter dado aquele passo. Afinal nem
era nada consigo. Para todos os efeitos a sua amiga era considerada viúva, e
agora com o aparecimento tardio do marido, não seria viuva, mas livre era com certeza.
Um pouco a medo seguiu a velha empregada, dirigindo-se para o escritório.
Depois de anunciada, ficou á porta um pouco
expectante. João estava de pé por detrás da secretária, com um ar muito sério e
também um pouco intrigado.
- Boa tarde minha senhora. Queira
sentar-se. Em que posso ser-lhe útil?
Era sem dúvida alguma, um cavalheiro com
finas maneiras, pensou Júlia. Não tinha esta ideia dele quando o conheceu.
Achava-o até um pouco rude. Seria o mesmo? Na verdade não se lembrava deste
rosto triste macerado, mas simpático.
- Desculpe. A sua empregada deve ter-lhe
dito o meu nome. Não se recorda de mim?
- Devia recordar-me?
- Sim. Penso que devia recordar-se de mim,
afinal fomos amigos em Angola. O meu marido trabalhou na Lunda, muito tempo
antes do Sr. Para lá ir. Não se lembra do Brandão? Ele era o chefe do pessoal.
Faleceu dois anos antes da revolução do cravos, está recordado?
João de Sousa, fez uma cara triste e
respondeu:
- Minha senhora, por estranho que pareça,
há muitas coisas das quais não me lembro. Contudo, talvez se a senhora me
contar mais pormenores, eu venha a recordar-me. Afinal, já aconteceu lembrar-me
de tantas acontecimentos que estavam sepultados na minha memória.
Mas por favor queira dizer-me ao que vem.
Não deve ser a pedir emprego, sem querer chamar-lhe idosa, já deve ter chegado
á idade da reforma, engano-me?
Não. Não se engana. Na verdade já estou
reformada há alguns anos. O que aqui me trouxe foi um assunto que talvez lhe
interesse, embora eu já não tenha tanta certeza de que me interesse a mim, como
de inicio supunha, respondeu Júlia com um esgar que pretendia ser um sorriso.
- Faça então o favor de dizer ao que veio.
Importa-se que fume? Inquiriu cortês
Júlia acenou que sim sentia-se agora pouco
á vontade para iniciar o que já lhe parecia uma indiscrição, mas já que tinha
ido até ali, embora agora a contra gosto, iria satisfazer a sua grande
curiosidade.
- Muito bem. O João, desculpe mas era assim
que lhe chamava, quando éramos vizinhos em Angola,
não parece recordar-se de mim, contudo eu e
a sua esposa Joana, éramos muito amigas. Eu era como de família até as suas
filhas me chamavam avó. Meu marido, era o chefe do pessoal, e também vocês eram
muito amigos. Fizeram muitas caçadas. O João era um excelente caçador. Não está
lembrado?
João parecia completamente alheio a tudo o
que ela dizia. Estaria a ouvir? Pergunta-se Júlia cada vez mais insegura, e
mais arrependida de ter ido falar com ele. Neste contexto calou-se, esperando a
reacção dele.
- Continue, diz-lhe ele numa voz completamente
impessoal, como se estivesse a muitos quilómetros de distância.
- Como eu ia dizendo, o meu marido morreu,
e, eu vim para Portugal antes do vinte e cinco de Abril.
Continuei a corresponder-me convosco, até
que um dia, Joana, me telefona muito angustiada, dizendo que o João tinha
desaparecido no rio, há quatro dias, e que depois de terem sido feitas todas a
buscas possíveis, não havia indícios de que estivesse vivo, e que as únicas
coisas que conseguiram encontrar, foi o seu chapéu colonial e um sapato.
Perante isto deram-no como morto, quem sabe devorado por algum crocodilo. Devo
dizer-lhe que a Joana nunca acreditou nesta versão. Ela sempre dizia que em
algum lugar o marido estava vivo. Parece que não se enganou. Mas foi em
circunstâncias bem estranhas que o veio a constatar, não lhe parece? Ontem
apareceu-me completamente transtornada, dizendo que o tinha visto, e o que
ainda era pior, o sr. Era patrão dela há sete anos, sem que ela soubesse.
Depois de a ouvir, decidi na qualidade de amiga, quase mãe, vir tentar saber o
que na verdade se passou, o que o teria levado a este silêncio, direi mais,
distanciamento e completo desinteresse, em tentar saber dela e das filhas.
Afinal foi preciso um acontecimento também desagradável, para que a sua esposa
o encontrasse. Com todos os acontecimentos de Angola, nunca se preocupou em
saber a sorte delas. Mais a mais, estando num óptima situação financeira, nunca
procurou saber se as suas filhas estavam vivas, e se precisavam de alguma
coisa. Afinal o sr. é pai delas!
Nesta altura Júlia já quase gritava, levada
pela indignação. Perante o mutismo de João, Júlia erguendo-se continua: - já
vejo que não adianta falar consigo. Imagino até que vai inventar, se não
inventou já, a estafada história da amnésia. Penso que afinal a minha amiga,
estava certa em não querer saber a verdade. Só que eu não quis acreditar que
você se interessasse mais por uma criada negra, do que pela família. Boa tarde.
Passe bem.
Dizendo isto encaminhou-se para a porta de
saída, completamente furiosa com João e consigo própria. Afinal quem lhe
encomendara o sermão, de se meter onde não era chamada?
Estava já abrindo a porta, quando João
exclamou:
- Espere. Não se vá embora sem que eu fale.
Há na verdade muita coisa que precisa ser
esclarecida. É absolutamente verdade que sofri de amnésia. É absolutamente
verdade que aos poucos vou recordando o meu passado. E também é verdade que é
uma história muito longa, e que se estiver interessada lhe contarei com os
pormenores de que me lembro, e não são muitos creia. Mas melhor do que eu, quem
lhe poderá contar a veracidade dos acontecimentos de então é o meu amigo e
colaborador, sr. Mendonça. Caso não se importe de aguardar, eu chamo-o. Também
eu tenho todo o interesse em esclarecer, todo este assunto, que, durante mais
de vinte anos me tem consumido. Já vi que veio aqui em prol da minha mulher.
Ela ontem foi daqui muito exaltada, e, nem me deu tempo de falar. Creia que
também eu fiquei assombrado quando a vi, já que a supunha desaparecida assim
como as minhas filhas.
Sim claro responde Júlia já mais animada.
Pensando consigo que afinal tinha valido a pena ir falar com João. Enquanto
aguardavam a chegada do sr, Mendonça continuaram a conversar. João pergunta
pelas filhas, e, fica muito feliz de saber que estão bem, e, que têm bons
empregos. Tinha que fazer justiça a Joana, afinal ela sempre fora uma grande
mulher.
Por fim o tal sr. Mendonça chegou, com o
seu ar calmo e tranquilo cumprimentou
João e muito cortês cumprimentou Júlia,
beijando-lhe as pontas dos dedos.
Sr. Engenheiro, em que posso ser-lhe útil?
Perguntou então.
- Por favor Mendonça, gostaria que contasse
em pormenor, toda a história do
nosso relacionamento a esta senhora, já que
você tem elementos que infelizmente a mim me faltam.
- Mas sr. Engenheiro, ao fim de tantos anos
no maior secretismo porque se quer assim expor? Apesar de dizerem que neste
país se vive em democracia, sabe que isso não é totalmente verdade, e sabe
também os perigos que corre dizendo quem é.
- Mendonça, deixe-se de formalismos e conte
tudo vamos, esta senhora é uma velha amiga. e, por estranho que lhe possa
parecer a sra. Joana Fonseca é, ou antes foi minha esposa.
É por causa disso que esta senhora aqui
está, quer saber pormenores do que me aconteceu.
Como é de seu conhecimento, Mendonça, você
sabe mais do que eu, por isso faça o favor de contar como tudo aconteceu.
Ainda hesitante, Mendonça começou então a
sua longa e atribulada história. Ou antes a história atribulada destes dois
amigos.
Entretanto, João sentou-se na sua poltrona
reclinou a cabeça fechou os olhos e limitou-se a ouvir
Embora em sua mente tudo passasse como um
filme, a quem tinham cortado muitos episódios.
Mendonça começa então:
- Minha senhora eu era um agente da PIDE
infiltrado na FNLA, nessa qualidade, visitava todas as grandes empresas
angolanas, sem que soubessem quem eu era. Tinha como fachada um cônsultório de
advogado. Conheci o engenheiro João de Sousa casualmente numa recepção que a
Diamang
fez em Luanda, e a partir daí ficámos bons
amigos. Ele confiou-me os serviços jurídicos da companhia a nível nacional,
pois era preciso jurisdição portuguesa juntamente com a inglesa.
Ao fim de alguns anos de amizade, e, na
minha qualidade de infiltrado, tomei conhecimento de que FNLA iria atacar em
força, no interior de Angola, e, apressei-me a avisar este meu grande amigo que
a situação estava a descontrolar-se no momento, e que seria bom ele tomar
previdências.
Ao principio, ficamos sem saber muito bem o
que devíamos fazer, para que ele e eu, pudéssemos fugir com dinheiro suficiente
para nos podermos estabelecer. Não era fácil levantar todas a nossas economias
daria muito nas vistas. Também mesmo juntando tudo elas não eram grande coisa,
para os tempos que se avizinhavam. Assim engendramos um plano, era arriscado
mas valia a pena tentar. Feitas as contas os maiores ladrões não seríamos nós
não é verdade? Muitos em nome da famigerada democracia e independência, ainda
hoje enchem os bolsos á custa da Diamang. Figueiredo disse isto com um esgar de
amargura.
Ninguém podia saber, nem lá nem cá que eu
era agente da PIDE. Então resolvemos fazer uns tacões falsos nuns sapatos de
João, tacões esses que eram ocos por dentro, assim naquele dia ele encheria os
tacões com diamantes, diria que tinha de ir visitar a mina na outra margem do
rio, e na companhia de alguns guardas da Diamang , atravessaria de barco para o
outro lado. num sítio por nós combinado
Eu estaria á espera dele e o levaria para o
Zaire. A coisa começaria com dois negros, nossos amigos, um deles era o marido
da Leopoldina, a discutir, e a lutarem, de modo a abanar a embarcação, e
faze-la voltar-se. Mas aconteceu um pormenor que não foi previsto, afinal
nenhum plano é perfeito.
Um dos negros que não faziam parte do
plano, levava com ele um cão, que, vá lá saber-se porquê começou a rosnar e
atacou um outro negro. Na luta destes com o cão, o barco virou-se antes do
local combinado. O João bateu com a cabeça num tronco e ficou inconsciente. Os
negros nossos amigos, lá conseguiram arrastá-lo pelo meio do capim, não sem antes
deixarem ficar o chapéu, e um sapato que levavam já para esse fim.
Com muita dificuldade, conseguimos pôr o
João no Jipe, tapámo-lo com capim e alguns farrapos e lá atravessámos para o
Zaire. Como os soldados da FNLA, me conheciam, afinal eu era a favor deles,assim
o pensavam claro. Não tivemos grandes dificuldades. Chegados Kinshasa, levei o
João para o hospital, onde ele permaneceu inconsciente por uma semana. Pensei
até que ele não iria sobreviver.
Entretanto, eu já conseguira vender alguns
diamantes, dar aos nossos amigos negros a parte que lhes competia e ficar
também com dinheiro para que eu e o João pudéssemos sobreviver.
O João finalmente acordou, mas por nosso
azar, e também por sorte dele, não se lembrava de nada nem sabia quem era, nem
me conhecia, mas como eu estava quase sempre junto dele, tornou-se meu amigo
sem saber que já o éramos havia alguns anos. Ironias do destino.
Tudo isto se passou em finais 1972. Depois
de muitos trabalhos, muitos rebolões, lá conseguimos vir para Portugal. Aos
poucos João foi-se recordando das coisas, da esposa das filhas, mas, havia uma
complicação, nem ele nem eu podíamos aparecer, com risco de sermos presos.
Afinal já tínhamos sido dados como desaparecidos. Vivemos com falsa identidade
até que se deu a Revolução, e naquela confusão toda, com aparecidos e
desaparecidos, voltamos á nossa verdadeira identidade, sem que alguém desse por
isso.
Entretanto, o marido de Leopoldina, foi
morto numa emboscada. Era ele que deveria informar a esposa de João e a dele do
que na verdade tinha acontecido. Assim tanto elas como nós ficamos sem saber
uns dos outros. Garanto-lhe minha senhora, nunca vi ninguém tão desesperado
como o João, por não saber da esposa e das filhas. Podia-mos lá adivinhar que a
Joana iria usar o nome de solteira?
Enfim por intermédio de alguns amigos, lá
conseguimos localizar a Leopoldina e traze-la para cá.
Ela também só sabia que a senhora e as
meninas tinham fugido, mas não sabia para onde.
Assim, também nós partimos de principio que
elas teriam sido vitimas da guerra civil que deflagrou em Angola. E os anos
foram passando. Formamos a nossa empresa, graças a Deus tem corrido bem, no
aspecto financeiro a vida não nos tem corrido mal, graças aos diamantes.
A pouco e pouco o João foi recordando, e á
medida que recorda mais sofre, decidiu gerir a empresa daqui do escritório da
sua casa, de onde raramente sai, entregue aos cuidados da velha Leopoldina.
Agora fomos todos apanhados mais uma vez pelo destino inesperado, completamente
desprevenidos.
Quando ontem a Sra. Joana pediu para falar
com o Sr. Sousa, jamais eu iria supor que era a esposa dele. Por isso lhe
marquei a entrevista sem a menor desconfiança. Imagino como ela deve ter
ficado!
Deve ter-se sentido enganada, por má
vontade nossa contra ela. Mas garanto-lhe minha senhora, sobre palavra de honra
que eu nem imaginava quem ela é. É nossa empregada há sete anos, uma excelente
empregada competentíssima, e que até no próximo mês irá subir de categoria
profissional. Conheço as meninas, nesta altura o Sr. Mendonça começou a chorar,
as meninas são lindas, e foram sempre óptimas filhas e óptimas estudantes, ó
minha senhora, então se eu soubesse, não teria dito ao João?
Enfim a Joana poderia até ter reorganizado
a vida com outra pessoa, ele aceitaria isso, mas ficar sem saber das filhas? Se
eu soubesse uma coisa destas, podia lá esconder?
Eu sei o que é perder a família, pois
também perdi a minha em Angola, mas eu ainda pude dar-lhes sepultura, agora o
João e a esposa viveram estes anos todos, cheios de dúvidas e de incertezas.
Horrível!
Tem sido horrível acredite.
E aqui tem resumidamente minha senhora,
tudo o que aconteceu. Pode agora explicar á Sra. Joana o que se passou.
Nesta altura todos choravam, copiosamente.
Todos? Não. As lágrimas de João eram silenciosas, caiam-lhe nas faces, sem que
ele fizesse o mais pequeno movimento, parecia em transe.
Nesse momento, entrou Leopoldina com uma
bandeja onde trazia um serviço de chá e distribuiu, uma chávena de chá a cada
um.
Júlia levantou-se, preparando-se para sair,
nessa altura João parece ter acordado da sua letargia
Apenas lhe disse: Júlia, por favor explique
á Joana tudo isto. E, diga-lhe que não existe no mundo dinheiro, que pague tudo
aquilo que eu tenho sofrido. Peça-lhe também que fale com as minhas filhas mas
não deixe que ela denegrida o meu nome. Eu nunca as esqueci. E dizendo isto,
vira uma moldura que estava sobre a sua secretária, nela estavam retratadas
Joana e as filhas, quando elas eram pequenas.
Comovida, Júlia abraçou os dois homens e a
velha e fiel Leopoldina, e silenciosamente saiu.
Ainda meio atordoada. Logo que chegou á rua
ligou para a amiga, convidando-a para irem tomar um gelado na “Suiça”. Estava
mortinha para a pôr a par dos últimos e tristes acontecimentos. A vida
prega-nos Cada uma, pensou de si para consigo….
Combinaram encontrar-se daí a meia hora.
Entretanto Joana vagueava pelas ruas,
olhando as montras sem as ver. Seu pensamento estava ausente, envolvido em tudo
o que se tinha passado, e, que ainda lhe parecia um psedadelo do qual não tardaria
a acordar. Surpreendeu-a o telefonema da amiga, não a sopunha em Lisboa. Um
pouco a contra-gosto lá foi ao seu encontro, não lhe apetecia nada conversar,
por outro lado, a sua grande amiga, era um refrigério para a sua cabeça
escaldante.
Chegou já Julia estava sentada a comer um
gelado, sorri-lhe quando a viu, mas notava-se nela um certo mal estar, que
teria acontecido?
Então amiga o que se passa para estares por
aqui na cidade grande?
- Ai Joaninha, nem imaginas, tenho muito
que te contar.
- Alguma coisa grave? Inquiriu
- Nem sei amiga, nem sei, mas senta-te, o
que vais tomar?
- Sei lá! Talvez um chocolate quente e uma
torrada, respondeu.
Depois de fazer o pedido, disse:
- Então conta lá
Joana saiu de casa da amiga, um pouco mais
calma, ela tinha o condão de acalma-la sempre.
Seguindo pela marginal, perto do Monaco,
sentiu o carro a fugir-lhe, que seria agora, encostou á berma e saiu para ver,
um pneu furado, bonito, e agora aquela hora, só lhe restava ligar para o
seguro. Quando tentou ligar, verificou que tenha o telemóvel sem bateria,
lindo, cada vez melhor! Que mais lhe iria acontecer?
Subitamente um BM parou atrás de si, e dele
saiu um cavalheiro, que se lhe dirigiu perguntando:
- Minha senhora, precisa de ajuda? Meio
atordoada respondeu,
- Tive um furo, não sei mudar o pneu, e
ainda que soubesse, o sobresselente está também furado, e, para cúmulo do azar
estou sem bateria no telemóvel, quase chorava...
- Bem se a senhora quiser aceitar a minha
ajuda, tem aqui o meu telemóvel, ligue para o apoio em viagem...
- Aceito, responde ela.
Mal tinha acabado de ligar para o seguro,
começa a chover, Joana, quase entrou em desespero.
Delicadamente ele tentou acalmá-la dizendo:
Desculpe, não me apresentei, sou António
Leandro de Figueiredo, e estou á sua disposição, ao que Joana responde com um
sorriso amarelo, eu sou a Joana Fonseca.
Então ele pergunta: - Falou com o apoio em
viagem?
- Sim, disseram que levariam
aproximadamente uma hora a chegar... só faltava a chuva para a noite ser
completa, respondeu tristemente.
- Então, D. Joana, atrevo-me a convidá-la para irmos
até ao Mónaco tomar um drink ou um café, aceita?
Ela icou pensativa, demorou um pouco a
responder, mas acabou por aceitar.
Ele perguntou: - Dá-me licença que arrume o
seu carro em melhor lugar? Aqui não está muito seguro, ela assentiu. Depois
disso ele convida, quer entrar no meu carro? É que ainda fica um pouquinho
longe, e não vale a pena apanhar uma pneumonia, e sorria ao dizer isto.
A atmosfera dentro do recinto era
agradável, fazendo-a sentir-se mais confortável e confiante.
Havia um pianista que tocava uma música
suave e agradável, Joana respirou fundo.
Sr. Figueiredo, sentamo-nos numa mesa ou ao
balcão? Inquiriu
Zombeteiro ele responde: - Sr. Figueiredo,
era o meu pai, eu para a familia e amigos sou apenas Tony, quanto ao local onde
ficamos, deixo á sua escolha.
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